VIAGEM
(*)
Um destes dias saio de viagem
Nas asas da manhã, devagarinho,
E, sem fazer barulho, abro a garagem
Para não acordar o meu vizinho
E deixar a dormir a criadagem.
Levo uma mala apenas pró caminho.
Parecerá talvez pouca a bagagem,
Mas vai a abarrotar cada escaninho.
São as desilusões da vida inteira;
Amores esquecidos, terminados,
Deixados na valeta, na poeira,
Outros nem sequer iniciados;
São erros cometidos na carreira
Dos tempos mal vividos, apressados;
São lágrimas vertidas na barreira
De todos os projectos fracassados.
Vou à toa, sem rumo ou direcção.
O primeiro a chegar ganha a corrida
E a vida é suor, competição.
Vale empurrar de forma desabrida,
Trair, roubar, guiar em contramão.
Não me quero atrasar desde a partida
E o tempo é pouco.
Tenho obrigação
De aproveitar o resto desta vida.
Despedir dos amigos, não consigo,
Mas sei que os verdadeiros vão comigo.
Faro, 21-03-2012