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A bem da Nação

ÀS CRÍTICAS COSTUMEIRAS EU DIGO QUE...

 

 

... nem todos temos a necessária preparação diplomática que nos capacite com a serenidade suficiente para, sem reacção, ouvirmos
críticas a Portugal por parte de quem nos despreza.

 

As nossas reacções mais quentes resultam sobretudo do apetite que observamos nos abutres que se aproximam com parangonas de «ajuda» mas que mais não tencionam do que comer a carne que ainda nos resta. É nestas circunstâncias que mais afloram à superfície os restos de orgulho a que alguns ainda nos agarramos.

 

As críticas à política em curso de redução da despesa pública só fazem sentido por parte de quem considera que o pagamento das dívidas é «coisa de criança». Ora, o poço sem fundo que esses críticos julgam existir é mais uma ilusão que apenas revela o irrealismo de quem crê que o dinheiro nasce do prelo. Não! O dinheiro é o resultado da produção de bens e serviços, transaccionáveis ou não, mas sempre tendo origem no esforço de alguém que não a rotativa da moeda falsa.

 

Se conjugarmos a política de consolidação orçamental no sentido da anulação dos défices simples (anuais) e dos acumulados com a da restrição monetária para evitar o crescimento dos preços na espiral doentia por que já passámos, então a emissão monetária assume
dimensões que quem nos conduziu ao colapso apelida de cilício ou até aponta como o cinto da nossa castidade.

 

A crítica que temos de aceitar é a de que no meio de todo o processo de financiamento das dívidas soberanas dos Estados mais perdulários há movimentos especulativos na certeza, porém, de que por enquanto nos resta pagar o que devemos (menos prosaicamente, «servirmos a dívida») e não bufarmos muito para conseguirmos que nos respondam positivamente enquanto formos progressivamente pedindo cada vez menos até que os saldos primários sejam positivos e possamos então começar a reduzir o montante da dívida total.

 

A pureza não especulativa dos capitais que nos financiam (e aos outros perdulários deste mundo) é matéria a que Dominique Strauss Kahn ameaçou dar tratamento e todos fomos testemunhas da «estrangeirinha» que alguém lhe armou; o ostracismo a que James Tobin foi remetido em Yale lá pelos idos de 80 do século passado também há-de querer dizer qualquer coisa... Sim, também eu desejo que cheguemos a um acordo a nível dos 27 Estados europeus com vista à taxação dos movimentos transfronteiriços de capitais especulativos.

James Tobin (1918 — 2002)

 

Mas de momento estou mais interessado no acesso de Portugal aos meios necessários ao financiamento dos seus défices do que na avaliação das intenções dos proprietários desses mesmos capitais cuja origem desejo branca e sem necessidade de lavagem. Mas para ter acesso a esses meios de cobertura das suas necessidades, torna-se imprescindível que Portugal pague atempadamente as suas
dívidas sob pena de deixar de merecer a confiança dos seus credores. Gerir as taxas de juro não é coisa que um devedor maneje com desenvoltura. Eis por que a Taxa Tobin pode ser importante nesta altura.

 

Tudo para concluir que o «modelo de desenvolvimento» por que trilhámos em direcção ao abismo tem que ser modificado de modo a que regressemos à produção dos bens transaccionáveis que entretanto nos habituámos a importar pois só desse modo poderemos reduzir os enormes défices das balanças de transacções correntes e de pagamentos, criarmos as condições para abrandar e anular o ritmo de endividamento do sistema bancário nacional face ao exterior e recuperarmos a credibilidade externa que há pouco nos falhou.

 

Mas esta reviravolta só seria possível acordando uma população adormecida pelos «cantos de sereia» que a demagógica compra de votos (nos sucessivos actos eleitorais) fez soar ao longo de quase 40 anos e, num país como o nosso que deve bater o recorde europeu na propensão marginal à importação, o primeiro toque de alvorada tinha que seguir a pauta da drástica redução do consumo. Este, também, um dos motivos para restringir os meios internos de pagamento, v. g., pela suspensão dos subsídios de Natal e de férias.

 

Daqui resulta obviamente um grande desconforto entre os consumidores e isso desde a base social até às elites.

 

E a propósito de elites, julgo que devemos perguntar-nos a quais nos referimos. As que giram pela alta finança só têm motivos de satisfação se forem proprietárias desses capitais que beneficiam de juros definidos no spot bolsista mas devem andar receosas sobre a
eventualidade da entrada em vigor de alguma limitação à circulação internacional desses capitais; os banqueiros já se choravam com as
condicionantes de Basileia I, mais choraram com as de Basileia II e agora quase desesperam com os novos ratios que lhes vêm sendo impostos desde que a Lehman Brothers rebentou; quem trabalhava na produção de bens transaccionáveis há muito que se reformou e a indústria remanescente é quase insignificante; a grande agricultura nunca existiu em Portugal e o pouco que havia foi aniquilado para dar espaço ao escoamento de excedentes europeus. Resta referir os jovens que foram educados na subsídio-dependência e esses, sim, estão a ver o tapete a fugir-lhes de baixo dos pés.

 

A solução está à vista: redução drástica da despesa pública corrente e relançamento da produção de bens transaccionáveis.

 

E, já que o Governo optou pela alienação de verdadeiras jóias da coroa, prefiro as venda a estranhos e não aos abutres europeus ou brasileiros. Relativamente aos europeus, nada me espanta que nos queiram roer os ossos e relativamente aos brasileiros soa-me a «déjà
vu», ou seja, como a vingança do antigo servo que entretanto enriqueceu relativamente ao velho patrão que pelo meio contratara um capataz ladrão: compra-lhe o palácio e pergunta-lhe se quer uma esmola. E o velho patrão, com dignidade, nem lhe responde e faz um arranjo com um forasteiro, o vendedor de gravatas, o chinês.

 

 

 Henrique Salles da Fonseca

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