Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

A bem da Nação

ARGENTINA – 12

 

 

O FIM DO MUNDO

 

 

Voámos tranquilamente mas não percebemos que tínhamos passado por cima dos Andes. Quando foi anunciado o início da descida, olhei
para fora e constatei que tínhamos vários níveis de nuvens bem pretas para atravessar. Ficámos à espera de tremeliques mas o Comandante lá foi fazendo slalom e escolhendo abertas benignas até chegarmos à pista numa descida sem história.

 

 

E o que é Ushuaia? Em língua nativa «aia» significa baía e «ushu» significa virada para ocidente. Não lhe reconheci propriamente essa
orientação e diria que está mesmo virada a Sul mas quem sou eu para corrigir os índios daquelas paragens? Mais concretamente, é a cidade mais austral do nosso planeta. Dali, em direcção ao Sul, só ilhas desertas e postos que marcam a soberania chilena. Sim, a cidade situa-se na margem do Canal de Beagle cuja linha central define a fronteira entre a Argentina e o Chile e, portanto, as ilhas montanhosas que vemos à nossa frente são todas território chileno.

 

 

 

A primeira vista que se tem ainda do ar não é convidativa pois apenas se vê um aglomerado relativamente pequeno apertado entre o Canal e os Andes cobertos de neve. A penumbrenta luz do dia dava ao cenário um aspecto lúgubre que me fez lembrar a costa norte da Sibéria para onde eram enviados os «amigos» de Stalin. E aqui foi quase o mesmo com a diferença de que não se tratava de presos políticos mas sim de delito comum.

  

 

 

O presídio é hoje um ex-libris da cidade assim como o chamado «comboio do fim do mundo» que é a reconstituição luxuosa do comboio que antigamente transportava os presos para irem à floresta cortar a madeira necessária à construção do presídio.

 

 Ponto zero do quilómetro 1 da estrada inter-americana... até Fairbanks, no Alaska

 

Outra curiosidade é a da «Ruta 3» que é o nome argentino para a estrada inter-americana que “liga” Fairbanks no Alaska à fueguina baía
La Pataia, passando pelo centro de Ushuaia como deve fazer pelo centro de milhares de outras cidades desde ali até à outra ponta do seu traçado. Dá para contar aos netos que estivemos no ponto zero daquela estrada que tem algumas interrupções físicas. A primeira (ou última, conforme o sentido da viagem) é na travessia no Estreito de Magalhães onde há que tomar um ferry por inexistência de ponte; a segunda é na região sul do Panamá onde nunca foi construída. Minudências...

 

Nesta minha visita, a benigna temperatura estival rondava os 5º Centigrados durante o dia e nem quero pensar nas temperaturas a
que os presos andavam expostos durante o Inverno. Consta que o tratamento que lhes era dispensado pelos guardas rondava o incrível e isso fez-me lembrar o ditado que diz que «ladrão que rouba ladrão, tem 100 anos de perdão». E lembrei-me também dos condenados portugueses que eram desterrados para a «Costa de África» onde, pondo pé em terra, retomavam a liberdade apenas ficando proibidos de voltar à Metrópole enquanto não espiassem a pena. Pelo aspecto das montanhas sobranceiras à região costeira por que andámos, dava para imaginar que o presídio seria desnecessário pois ninguém seria capaz de sair dali a pé rumo à civilização e se se aventurasse ao Canal, a temperatura da água tratar-lhe-ia da sorte.

 

 

Conta-se a história de que o preso Pipo conseguiu desamarrar-se e que saltou do comboio para o rio que corre da floresta para desaguar no Canal junto à cidade mas que acabou morto de frio. Verdade ou fantasia, ao rio passaram a chamar Pipo e esse, sim, lá continua a cantar mansamente no Verão e a congelar no Inverno.

 

E a partir daqui, digamos adeus à Argentina e saudemos o Chile.

 

Henrique Salles da Fonseca

1 comentário

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2011
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2010
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2009
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2008
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2007
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2006
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2005
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D
  261. 2004
  262. J
  263. F
  264. M
  265. A
  266. M
  267. J
  268. J
  269. A
  270. S
  271. O
  272. N
  273. D