ARGENTINA – 8
NAVEGANDO
Dá para encarar a possibilidade de se ir viver para Palermo, arredores de Buenos Aires, numa daquelas moradias pequenas mas com aspecto muito confortável, à sombra de grandes acácias certamente mandadas colocar ali por alguém com muito gosto. E como era fim de Verão e início de Outono, o Sol moderado dava-lhe uma nostalgia digna de um sentido tango. Cumprindo a regra nacional, tudo no sítio certo, nenhum papel no chão, gente asseada, urbana, educada. Graffiti? Nem um!
E são quilómetros e quilómetros dessas moradias cercadas de pequenos jardins a mostrar à saciedade a dimensão da classe média que por ali vive confortavelmente.
Foi a caminho de Tigre para um passeio pelo delta do rio Paraná seguido da viagem de regresso a Buenos Aires ao longo da costa argentina do Rio de la Plata que fiquei a saber que in illo tempore houve quem imaginasse tigres na América do Sul. Confusão com a onça-pintada entretanto desaparecida daquelas paragens para tranquilidade dos muitos que ali vivem naqueles encantadores arredores da cidade autónoma.
Dará muito trabalho contar o número de ilhas que compõem o delta do Paraná na certeza, porém, de que todas as casas têm endereço
completo com número de lote e nome da ilha em que se localizam. E à semelhança de Veneza, há barcos para transporte público a que por ali não chamam «vaporetti» mas chamarão de qualquer outro modo que não apurei. A recolha do lixo tem barcos apropriados, a mercearia flutua e apita à porta da clientela, a ambulância tem proa e popa, as garagens são pelo método do guincho para que a «viatura» poise sobre o cais privativo e o transporte escolar é gratuito para que ninguém possa argumentar que não vai à escola porque não sabe nadar. Os bólides fazem grandes ondas mas todos abrandam quando se cruzam com outro barco de modo a que os solavancos e as molhas são acidentes e não acontecimentos normais. E como era Domingo de finais de Verão, as famílias estavam nos seus jardins à beira-canal, as praias artificiais públicas e privadas com tartan granulado a fingir de areia, todos com a certeza de que é bom viver ali. E nós, passantes, com gosto de os ver gostar. Castanha escura, a cor da água. Mas quem é que havia de a querer de outras cores?
Transporte público
A palafita é imprescindível a quem vive num delta.
E saímos do delta...
O Rio de la Plata é a perder de vista e foi só necessário entrar nele para percebermos como terá sido fácil a tanto descobridor de antanho julgar que aquela era a passagem para o outro lado daquele novo continente que abusivamente se interpunha entre a cobiça e as Molucas. Na lancha rápida, 50 minutos para a atravessar; de barco convencional, quase 3 horas.
Mas foi só começarmos a navegar ao longo da costa argentina e eis-nos a ziguezaguear entre muitos e muitos barcos e barquitos pertencentes aos inúmeros clubes de vela que por ali existem. Sim, recordemos que era Domingo e que o tempo estava amigo das férias de finais de Verão. Das bandas do Uruguai soprava brisa amiga dos navegadores novatos daquelas tantas escolas de vela e também amiga dos turistas que por ali passeávamos já encantados pelo país a que há pouco chegáramos.
Eram tantos que navegavam por ali...
Fiquei cheio de pena de não ter sido possível encaixar no nosso programa uma ida a Colónia de Sacramento mas o óptimo é inimigo do bom e a ex-colónia portuguesa lá terá que ficar à minha espera na margem norte do Rio de la Plata...
Aportámos a Puerto Madero e logo nos disseram que aquela obra era uma das causas da dívida externa argentina. Podem dizer o que quiserem assim como nós somos livres de acreditar (ou não) no que nos digam. Admito que aquela obra possa não ter ajudado à resolução da crise da dívida externa argentina mas é para mim óbvio que as causas foram outras e de muito maior dimensão. Por favor, deixem Puerto Madero tranquilo, sem essas culpas. Leiam a História e meditem.
Siga a viagem!
(continua)