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A bem da Nação

A MARINHA PORTUGUESA DE 1974 ATÉ AGORA - UM TESTEMUNHO - VI

 

7-Período até agora

 

Enquanto ocorriam estes factos houve várias entidades que iniciaram ações de promoção da importância do mar, e portanto da Marinha, na vida do País pois verificava-se enorme desinteresse e até muita ignorância relativa a este tema em quase toda a população, com especial ênfase para a classe política, e que após as mudanças operadas na Soponata se tornaram ainda mais necessárias.

 

Tratou-se da Academia de Marinha e da Sociedade de Geografia

 

Em 1984 fui admitido como membro da Academia de Marinha com a apresentação de uma comunicação intitulada "O Mar nas origens e no futuro de Portugal" onde tentei mostrar quão essencial foi a Marinha para a criação do nosso país e quais os caminhos que o Mar nos apresentava para termos um futuro mais promissor.

 

Constato hoje que poucos dos que o ouviram dele se recordam e muito poucos ou nenhuns o leram mais tarde, pelo que tenho visto proliferarem trabalhos a dizer praticamente o mesmo e alguns, verdade se diga mais pormenorizados, algo dispendiosos, mas todos eles sem seguimento operacional.

 

O que já me levou a afirmar que D. João II descobriu ou permitiu descobrir todos os continentes sem escrever coisa alguma, excepto o Tratado de Tordesilhas a meias com a Rainha Isabel de Castela, enquanto agora já se escreveram centenas de páginas de livros de cores várias e muitos discursos, mas continuamos a ter uma população de costas para o mar, o que põe em perigo o magnífico trabalho realizado pela Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar.

 

Também em 1984 é iniciado o trabalho da Secção de Transportes da Sociedade de Geografia de Lisboa que realiza a sua primeira sessão com uma comunicação do Almirante Cruz Júnior seguindo-se outras, algumas com a presença de Seretário de Estado onde se apresentaram os problemas e as soluções para se restabelecer a Marinha Mercante.

 

Recordo em especial uma sessão realizada na Academia de Marinha em 7 de Novembro de 2000 com um painel formado por Almirante Cruz Júnior, Comandantes Barbosa Henriques e Ferreira da Silva e eu, cujo título era "A Marinha Mercante Portuguesa na transição do século XX para o XXI"

 

Ainda em 2000 houve mais um curto episódio que só tem interesse contar para se ter noção da importância que era dada aos assuntos da Marinha: fui convidado para participar num grupo de trabalho, que se me não falha a memória, denominado "Tecnologia 2000" e organizado pelo IST e pela Ordem dos Engenheiros, em que só participei na primeira sessão porque foi recusada a proposta de incluir tecnologias marítimas.

 

Episódio da Fundação Vasco de Gama

 

Entretanto aproximava-se a data das comemorações da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia, por vezes e infelizmente muitas vezes chamada de descoberta do caminho para a Índia, o que de facto foi realizado por Bartolomeu Dias.

 

No século XIX tinha sido a Sociedade de Geografia de Lisboa encarregada pelo Governo de organizar estas comemorações mas agora competia a outra entidade esta responsabilidade.

 

Não podemos esquecer ou menosprezar este período da nossa história em que se verificam cinco factos essenciais a saber:

 

1488 Bartolomeu Dias: descoberta da passagem para o Índico

 

1488-1492 Bartolomeu Dias/Pacheco Pereira: descoberta dos ventos e das correntes do Atlântico sul e portanto do Brasil

 

1492 Colombo, e

 

1494 Tordesilhas, consumando-se a estratégia de D. João II de desviar os espanhóis para a América central, deixando livre o Oceano Atlântico sul para atingirmos a Índia,

 

1497-1498 Vasco da Gama: primeira viagem à Índia, já com naus

 

1500 Pedro Álvares Cabral toma posse oficial do Brasil

 

Parecia pois que dada a importância destes factos não só para Portugal mas para todo o mundo, a Expo 98 deveria dar ênfase máxima a estas comemorações, tirando delas obviamente o maior partido quer para o turismo nacional quer para estimular atividades essenciais para a economia nacional.

 

Mas nada disto aconteceu assim.

 

Muitos portugueses em geral e com grandes responsabilidades nesta área em especial, parecem ter vergonha em se afirmar Portugal como o grande iniciador da expansão europeia e assim ter sido líder em navegação, em construção naval, em cartografia, em poderio naval, em ousadia, e portanto em de facto ter aberto o Mar à Europa e ao Mundo.

 

A Espanha dos Reis Católicos dependia dos bascos e dos catalães do ponto de vista naval e Cristóvão Colombo como iniciador dos seus descobrimentos marítimos aprendeu com os portugueses e descobriu o que estes queriam que ele descobrisse de forma a permitir que fosse iniciado o caminho marítimo para a Índia.

 

Mas enquanto Portugal se auto-excluiu de propagar convincentemente a sua posição de líder e de iniciador dos descobrimentos marítimos europeus, a Espanha fez uma campanha de informação à escala mundial com uma frota de Colombo e assim ficou a figurar como sendo ela a primeira e não nós.

 

Até o Relatório da CMOI de 1998 dirigida por Dr. Mário Soares e Dr. Mário Ruivo, mostrou Colombo como o principal navegador oceânico enquanto a Expo 98 esquecia a viagem de Vasco da Gama.

 

Dado o desinteresse demonstrado pelos responsáveis políticos por realizações náuticas, isto é, que incluam navios, decidiu o então Presidente da Sociedade de Geografia Alte Sousa Leitão e mais um grupo muito reduzido de colaboradores nos quais me orgulho de estar incluído, envidar esforços para conseguirmos ter uma nau já que jamais conseguiríamos fazer o que fez a Espanha que passeou por todo o mundo a frota de Colombo para comemorar a sua viagem à América Central.

 

Tínhamos bem presente as dificuldades havidas para se construir a caravela "Bartolomeu Dias" para comemorar a descoberta do caminho para a Índia por Bartolomeu Dias que só se realizou porque houve uma ajuda da República da África do Sul, naturalmente implicando a caravela ficar lá num museu em Mossel Bay.

 

 

Dados os contactos culturais da Sociedade de Geografia com entidades goesas foi possível encontrar um empresário goês de hotelaria que estava interessado em fazer um contrato connosco de forma a ser construída em Portugal uma nau, que seria utilizada numa repetição da viagem de Vasco da Gama e que depois ficaria em Goa para realizar cruzeiros turísticos locais.

 

A Embaixada indiana em Lisboa manifestou muito interesse mas o nosso governo desaconselhou o projecto e perdeu-se esta oportunidade de comemorar dignamente e com repercussão mundial este nosso feito.

 

Entretanto tinha-se constituído uma fundação, dita de Vasco da Gama, cujo objetivo era não só a comemoração da viagem mas estimular e perpetuar o interesse da população pelas nossas actividades marítimas, que se encontrava em enormes dificuldades financeiras porque não houve qualquer apoio mesmo de entidades que foram grandes entusiastas da sua criação.

 

Como algum tempo antes, i.e. cerca de 1993 eu tinha estudado a hipótese de se tentar construir no Porto uma torre para comemorar o nascimento do Infante D. Henrique o que me levou a aprofundar este tipo de projecto, incluindo conversas com o Arq. Souto de Moura, embora o desinteresse do Presidente da Câmara do Porto tenha abortado tal iniciativa, resolvemos aproveitar este balanço e tentar a oportunidade de Lisboa.

 

Com efeito entretanto nasceu a EXPO 98, e como só havia no projecto inicial a torre do TCC da refinaria, foi proposto à sua Administração um ante-projeto, com um estudo económico que demonstrava a sua viabilidade, que não só permitiria recuperar o investimento em pouco mais de dois anos, se fosse construída convenientemente, em tempo e lugar, e depois constituir uma fonte de receita para os projetos da Sociedade de Geografia, incluindo a desejada nau.

 

Isto de facto não aconteceu assim, a Fundação Vasco da Gama foi afastada pela EXPO 98 e acabou por se extinguir, o projecto foi alterado, perdeu rentabilidade e hoje está a ser transformado num hotel.

 

Aliás a Expo ainda foi protagonista de mais um caso, este ligado apenas a mim, relacionado com a construção da marina. Quando foi criada a Expo 98 estava em curso a negociação com a AGPL de uma marina flutuante no poço do Bispo que implicava a ocupação de uma zona do cais que em virtude daquele novo projecto teve que ser cancelada.

 

Como consequência desta alteração contactei a Administração da Expo e propuz-lhe a adopção do sistema previsto para o Poço do Bispo, mas agora com melhores condições e principalmente com grande capacidade para se tornar uma grande marina vocacionada essencialmente para a navegação fluvial, pois era e é notória a falta que fazia, e que faz, uma marina com preços baixos dos postos de amarração que permitisse a sua utilização por vastas camadas da população.

 

Mas a Administração da Expo não entendeu assim, realizou um concurso e um projecto de ordenamento abaixo de medíocre que redundou na situação actual de ter enorme dificuldade em rentabilizar o actual investimento, aliás várias vezes maior do que seria necessário, pois não foi previsto o espaço indispensável para o estacionamento de viaturas dos utilizadores desejáveis da marina e dos espaços adjacentes.

 

Portanto mais uma machadada na marinha de recreio desta zona da cidade.

 

No final deste período de comemorações da viagem de Vasco da Gama o balanço não pode deixar de ser considerado muito negativo, embora a zona abrangida tenha ficado recuperada e até muito agradável à vista.

 

Do ponto de vista do prestígio nacional ligado aos descobrimentos foi muito mal aproveitado e então quanto à nossa Marinha ainda pior. E tudo isto sucedeu perante a passividade da comunicação social e da sociedade civil.

 

Ainda por cima do ponto de vista económico também bastante para o lado negativo o que originou depois o abastardamento da qualidade urbanística desta zona.

 

No final desta fase há a assinalar o falecimento do Alte Sousa Leitão que foi uma perda irreparável nos esforços para defender a campanha em prol da Marinha Portuguesa.

 

Entretanto a partir de 2004 começa a manifestar-se o interesse da CE nos assuntos do Mar do que resultaram muitas reuniões e tomadas de posição muito favoráveis ao desenvolvimento deste assunto, mas quanto à Marinha pouco ou nada aconteceu.

 

Entretanto desde 2001 até 2008 estive a residir em Tavira donde resultou algum afastamento do que se passava em Lisboa, que era na verdade muito pouco de concreto, mas com grande profusão de publicações, reuniões e comemorações.

 

Já agora devo dizer-vos, que durante este período algarvio, todas as tentativas para desenvolver actividades náuticas essenciais ao combate ao desemprego e à emigração dos quadros mais novos foram contrariadas tanto pelos autarcas locais como pelos responsáveis pelo turismo algarvio, acompanhados pelo desinteresse da Universidade do Algarve.

 

Aqui chegados parece agora haver fortes probabilidades de ser aprovada a extensão da nossa zona atlântica com o reconhecimento internacional das suas potencialidades económicas, mas temos continuado a desprezar a Marinha e a criação de empresariado forte, porque destruímos os grupos económicos que existiam e não foram substituídos, e só com PMEs não teremos dimensão crítica para nos lançarmos por nós próprios no aproveitamento das riquezas existentes.

 

O que aliás vem ao encontro da posição definida por Bruxelas que parece apontar para as decisões sobre esta matéria serem tomadas lá e não cá. Além de recomendações quanto ao interesse no desenvolvimento da náutica de recreio, o que, sendo conhecido o atraso de Portugal nesta matéria, deve ter uma importância acrescida para os nossos responsáveis quer por esta atividade desportiva quer pelo turismo que tanto a tem desprezado.

 

Comunicações: COM(2010) 352 final-Brussels, 30.6.2010 e

 

COM(2011) 782 final-Brussels, 21.11,2011

 

Só tenho a lamentar estar a acertar na previsão que fiz em 1984 quando apresentei a primeira comunicação de entrada na Academia de Marinha: já está a caminho um novo mapa cor de rosa.

 

(continua)

 

 

Lisboa, 18 de Janeiro de 2012

 

 

José Carlos Gonçalves Viana

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