“CUSTE O QUE CUSTAR”
- Aos outros! – indignou-se a minha amiga, que saiu finalmente à rua após uma semana de quarentena, por conta duma tosse renitente e que por isso lhe provoca estas propensões atrabiliárias contras as anomalias da nossa vivência nacional propensas ao azedume.
Porque há quem diga que é pura “mitomania” governativa pretender saldar a dívida de um empréstimo, numa paranóia de honestidade, sem criar riqueza, reduzindo à pobreza e à paragem no trabalho e na exportação, e ao surto da fuga dos capitais e de empresas para sítios de maior equilíbrio financeiro, etc., etc., empréstimo que possibilitou as escroquerias aliadas a uma generalizada feira de vaidades de um povo mal habituado ao dinheiro fácil e que se deixou deslumbrar pelo inesperado bodo, em compromissos de aquisições de bens materiais que se despenham, nesta hora, no caminho da insolvência dum país ao qual más políticas anteriores revelaram uma abundância irrisória e desencaminhadora.
E assim, continuou:
- Estes estão na rua, ao frio.
- Nanja nós! - defendi-me eu, avessa a invasões de lamúria na nossa privacidade, mas a minha amiga ignorou a interrupção:
- Vamos pagar a dívida. Vamos pagar a dívida, mas arrancado ao desgraçado que a vai pagar. Acredito que a pagarão…
- Mas há quem discorde disso! – explico eu, muito pessimista, por conta dos prospectores dos truques económicos da nossa governação tão drástica como pouco explícita.
Mas ambas tínhamos ouvido o banqueiro optimista, em entrevista da noite anterior, a explicar que a banca estava de boa saúde e quisemos crê-lo, nestas flutuações entre o medo e a confiança que nos têm arrastado ultimamente, contudo a minha amiga não se deixou entusiasmar tanto:
- O mundo começou a afundar desde o que foi roubado por ele e pelos comparsas. E não é a Europa, é o mundo inteiro…
- Menos a China! - garanto, com a confiança no país que nos vem dar a mão, embora cortando-nos as pernas, ao que se diz…
- É isso! A China sobe… Quem é que há-de subir senão a China? Mas o Brasil também…
- Mas no Brasil há muita corrupção!
A minha amiga é de ideias fixas, no capítulo da justiça:
- Esta mulher Dilma já pôs na rua cinco ou seis ministros… Aquele país não havia de ser rico porquê? Qual é a matéria de que é feito o ser humano, que, quando enriquece o faz unilateralmente?
E assim nos íamos afastando do ponto de partida da nossa conversa inicial, a frase brutal de Passos Coelho, pronunciada com grande salero, e que me trouxe à memória, comovidamente, o fado da nossa Amália, trocando, evidentemente de destinatário, não o homem amado mas o amado país merecedor das nossas lágrimas de dedicação patriótica, inspirada na força anímica do discurso do nosso PM:
Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias de chorar,
Por uma lágrima tua
- Que alegria! – me deixaria matar.
É claro que a letra seria alterada de acordo com o nosso arroubo patriótico:
Se eu soubesse que morrendo
Com teu “custe o que custar”
Eu salvaria a nação,
Mesmo sem lágrima tua
Com alegria, deixar-me-ia matar.
E no fado se finou a nossa conversa.
Berta Brás