A MARINHA PORTUGUESA DE 1974 ATÉ AGORA - UM TESTEMUNHO - III
3-1º Período político
O trabalho a realizar era manter os serviços a funcionar e fazer o mais rapidamente possível a adaptação de todos os regulamentos para a nova situação e estou convencido que se conseguiu cumprir os objetivos pretendidos, principalmente porque o pessoal e em particular os Diretores e o pessoal técnico dos vários serviços foram quase todos excelentes, apenas havendo de início duas pequenas dificuldades logo colmatadas.
Episódio do Oneto
Vou agora contar-vos um episódio que à primeira vista poderia parecer nada a ter com a Marinha, mas que na verdade julgo que pode ajudar a compreender a estrutura cultural da revolução de 74 e daí abrir a possibilidade de se entender a aversão à Marinha que veio a verificar-se logo nos primeiros tempos e que atingiu o máximo na década de oitenta.
Havia um membro, se não me falha a memória das Brigadas Marxistas Leninistas, chamado Fernando Oneto, que eu conhecia por ter sido colega do meu irmão no Liceu Pedro Nunes, que era então membro da Comissão de Extinção da Pide-DGS e que de vez em quando me visitava no gabinete no Terreiro do Paço, de passagem para casa, algures na Graça.
Uma vez, lá para Setembro de 74, trazia de baixo do braço um "dossier" com uma lombada de cerca de um cm, portanto bastante volumoso, que era um relatório da Pide para o Presidente do Conselho de Ministros, Prof. Marcelo Caetano, onde estava descrito quem conspirava, onde se reuniam, quem eram entre eles os informadores da Pide, etc, etc. Tudo o que era necessário e suficiente para eliminar qualquer conspiração até porque havia alguns dias de avanço em relação a 25 de Abril.
Mas o que é muito interessante é o despacho do Professor exarado no topo do ofício que capeava a informação e que era qualquer coisa como "isto não tem importância, prestem atenção ao General Kaúlza de Arriaga".
1ª conclusão: os estrategas tão auto avaliados mais tarde, só tiveram sucesso porque Marcelo Caetano assim o quis, o que confirma o facto de esta revolução, tal como todas as anteriores, com excepção das de 1383 e de 1640, foram mais perdidas pelos detentores do poder que vencidas pelos revoltosos. O que significou sempre vencedores fragilizados e pouco competentes em governação.
2ª conclusão: a esquerda organizada pôde tomar conta da revolução com facilidade e controlar corporações que destruíram algumas empresas essenciais para a independência do País entre elas, as do âmbito da Marinha, o que explica em parte a primeira fase da sua destruição.
Em finais de Outubro ou princípio de Novembro desloquei-me a Angola e Moçambique na tentativa de combinar um acordo com os respetivos governos provisórios de forma a manter ligações com estes novos Estados em formação que nos permitissem colaborar com eles para o desenvolvimento das suas marinhas e manter algumas das linhas com navios nossos particularmente onde tínhamos posição como terceira bandeira.
Mas nada se conseguiu pois o General Costa Gomes já tinha tomado a posição de a nossa Marinha ficar totalmente fora de qualquer ligação.
Foi a primeira manifestação, a nível de topo, dum complexo que julgo veio a ser muito influente na futura evolução da nossa Marinha e que consistia em conjugar o facto dela, até então gerida pela Armada, ter sido a base do nosso colonialismo, o que constituía um pecado político terrível. A que ninguém queria estar ligado.
Quem viveu esses tempos recorda-se certamente do antagonismo dos partidos de esquerda, que dominavam a nossa vida política, em relação a tudo o que dissesse respeito às antigas colónias, não sendo reconhecida qualquer acção positiva que por nós tivesse sido realizada nas antigas colónias. E que foram muitas, embora naturalmente também houvesse outras más ou menos boas como aconteceu com todos os países que alguma vez se expandiram e tiveram colónias.
Estou mesmo convencido que a esquerda portuguesa tomou muitas decisões, como estas atrás indicadas, muito mais influenciada pelo ódio à ditadura salazarista que por amor ao País.
Infelizmente esta atitude acabou por contagiar a maioria das nossas elites de que resultou o estado actual de termos uma população maioritariamente de costas para a Marinha.
E digo assim porque muitos gostam do mar, mas da mesma maneira que o político atrás mencionado, apenas acrescentando umas idas à praia.
Por outro lado a marinha de recreio era considerada uma actividade fascista de tal forma que eu próprio fui várias vezes assim apelidado quando me dirigia com a família, nos fins de semana, com um atrelado onde transportava um bote com 3,9m e dois "kayaks" para a Lagoa de Albufeira.
Recordo-me de, já no final desta fase que coincidiu quase com o fim do ano, de chegar à conclusão de que após as adaptações feitas, estávamos então preparadíssimos para refazer e melhorar toda a regulamentação, muita dela necessitando ser modernizada, mas os tempos eram tempestuosos e em 11 de Março de 1975 terminou esta minha etapa político-marítima.
4-Período exterior e retorno
Passado algum tempo desta data iniciei uma fase de atividade no estrangeiro: primeiro em Angola em duas empresas de pesca mas em Agosto seguinte tive que me retirar daí por razões de segurança, e fui trabalhar no Brasil onde, além de outras atividades como ser Professor numa Universidade no Rio de Janeiro, durante ano e meio estive como responsável por uma agência de navegação em Santos.
Foi uma experiência muito interessante e se eu me orientasse prioritariamente pelo lucro nunca mais teria voltado.
O Brasil é outra dimensão, como aliás já dizia D. Pedro quando queria colocar a capital de Portugal no Rio de Janeiro.
O regresso a Portugal quase permitiria voltar à minha atividade preferida que era dirigir uma empresa de navegação mas as condições foram algo mal tratadas pelos responsáveis e por isso acabei por trabalhar durante cerca de dois anos em indústrias química e metalo-mecânica.
(continua)
Lisboa, 18 de Janeiro de 2012