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A bem da Nação

Curtinhas XCVII

 

Rábulas

 

 

v     Um excelente programa da RTP 2 abordou a questão da Maçonaria em Portugal. Questão delicada, que feria susceptibilidades, pelo que se viu e ouviu – e logo isso seria motivo suficiente para reflectir.

 

v     Ali, quando se desejava discutir a praxis, assistia-se a uma corrida para o burladero dos princípios, dos estatutos e das intenções.

 

v     Se princípios e intenções fossem o alfa e o ómega de todos os juízos de valor, não haveria como censurar (para dar exemplos que nos tocam de perto, e por de mais ventilados): a Inquisição, Salazar ou o colonialismo.

 

v     Não era a (piedosa) intenção da Santa Inquisição salvar a alma de hereges e marranos? Era.

 

v     Não pretendia Salazar proteger o bom povo português dos maus costumes e do risco, oferecendo-lhe o conforto de certezas rústicas, humildes, mas moralmente sadias? Pretendia.

 

v      Não estava nos planos do colonialismo trazer os indígenas para o seio da civilização e da cristandade? Estava.

 

v     O busílis em todos estes casos - e em todos os casos que tais - está sempre na praxis. Nas tentativas para ocultar, subtrair, distorcer, manipular o que deve ser objecto de público escrutínio: a realidade.

 

v     A questão que a Maçonaria suscita hoje em dia (não vale a pena recuar aos primórdios do séc. XVIII quando refugiados irlandeses estabeleceram a primeira loja maçónica na Madeira) é esta de saber se ela serve, ou não, como “barriga de aluguer” para esquemas de
conquista de poder e/ou para negócios com ganhos assegurados de antemão.

 

v     A questão, posta nestes termos, não se restringe à Maçonaria, obviamente. Vêm de imediato à ideia: a Opus Dei, a Ordem de Malta, os Clubes Desportivos, o Turf, o Círculo Tauromáquico, o Club Portuense, as Ordens Profissionais, o Centro Nacional de Cultura, os “Cursillos de Cristandade”, os “Carismáticos”, as Igrejas e Confissões várias, as associações de todas as cores, os almoços de amigos, o golf – as famílias alargadas, até. Esqueci-me dos partidos políticos?

 

v     Não, de todo. Os partidos dão pública fé dos seus propósitos: conquistar o poder pelo voto, exercê-lo o mais longamente e o mais profundamente que lhes seja possível (ou permitido) - e aceitar tant bien que mal a mudança. Neste ponto, não se perdem em rábulas. Todos sabemos ao que vêm, como vêm e como vão - o que já não acontece com algumas daquelas entidades (ainda que, quanto a outras, ninguém em seu perfeito juízo verá nelas, hoje, um indício, por mais leve que seja, de ameaça).

 

v     Bem ou mal, a Maçonaria é vista por muitos de nós como uma via de sentido único e de alta velocidade para ocupar lugares de muito mando e melhor passadio, para beneficiar de uma rede de solidariedades que nunca deixa cair, para obter a informação privilegiada que decide negócios, para mexer as pedras (e quantas vezes o tabuleiro) as vezes necessárias até se obter o resultado (político? financeiro?) almejado. Por tudo isto, é de espantar que nós, os profanos, nos sintamos ameaçados?

 

v     Forçoso é reconhecer que somos, hoje, um Estado especialmente vulnerável a este tipo de estratégias decalcadas dos truques de magia: por detrás de um pano, sem se perceber como, eis que o coelhinho imaculadamente branco se transforma na roliça partenaire de corpete escarlate.

 

v     Presidente da República à parte, os Órgãos do Estado, ou são preenchidos por políticos escolhidos pelos aparelhos partidários, ou por membros vitalícios de corporações profissionais. Aqueles e estas absolutamente permeáveis a estratégias concertadas, a negociações de bastidores – enfim, a jogos de forças combinadas.

 

v     Esta característica do Estado Português, longe de ser irrelevante, é fundamental para a questão da Maçonaria, como será fundamental para o sucesso de qualquer outro esquema que vise, longe do escrutínio público, ocupar poder político, apropriar poder económico - ou, de modo mais comezinho, trocar as voltas à sã concorrência.

 

v     O peso do Governo no Estado é desmesurado. O peso da Administração Pública na economia é desmesurado. O peso dos partidos
políticos em Empresas e Institutos Públicos é desmesurado. E tudo se passa longe das vistas do cidadão comum – que não é tido nem achado para escolher, movimentar, promover (nunca, por nunca ser, despromoções enxovalhantes), reformar e permitir acumulações. Paga, e vivó velho.

 

v      São inúmeros, a esmagadora maioria, os cargos públicos que, entre nós, não dependem directamente do voto nem obrigam ao ferro de extensas e exaustivas explicações públicas, de quando em quando – mas que conferem poder e influência sobre praticamente tudo o que existe e mexe no território. A norma, por cá, é a nomeação de gabinete e a prestação de contas tipo confessionário, à porta fechada.

 

v     Ocupar esses apetecidos cargos é uma tentação. Mantê-los contra ventos e marés, uma preocupação superlativa. Mudar - só com drama, ou com fumos de tragédia. O que é dizer, o modo como o aparelho do Estado tradicionalmente se organiza nada tem a ver com os princípios da Democracia.

 

v     É, justamente, nos interstícios de uma organização política assim que lançam raízes os esquemas que têm por objectivo capturar os centros de decisão do Estado através de meticuloso trabalho de sapa pelo interior de partidos políticos, de corporações profissionais e da
própria Administração Pública.

 

v     Nada disto é específico da Maçonaria, enquanto instituição de gentes de bem. Ainda que o filtro da admissão por convite traga irresistivelmente à memória a ideia do recrutamento, da escolha a dedo com uma determinada finalidade e orientada por critérios
de utilidade
.

 

v     É certo que em todos os ambientes sociais podem germinar esquemas de conquista de poder – mas alguns terão maiores probabilidades de sucesso que outros. E ninguém negará que a discrição e a escolha a dedo são factores de sucesso, nessa porfia.

 

v     Quanto à Maçonaria (não sei de que obediência) há coincidências que mais parecem fruto de uma acção bem planeada que do acaso. O BPN, por exemplo.

 

v     A administração da SLN/Galilei (em tempos idos, accionista única do BPN) conta maçons entre os seus membros – o que não é de hoje nem de ontem. A administração que o Governo/BdP nomeou após a estatização também contava com maçons. Quando foi, há pouco, substituída, ministros maçons cuidaram de encontrar para os “irmãos” que assim se viram no desemprego lugares simpáticos em Institutos Públicos. Alguns dos interessados no que irá acontecer ao património do BPN, maçons são também.

 

v     Para 0.0004 da população portuguesa, não deixa de ser uma concentração conspícua.

 

v     Por fim, uma declaração de interesses pela qual deveria ter começado. Citando Marx (Groucho, não Karl): “Eu nunca aceitaria ser sócio de um clube que me aceitasse para sócio.”

 A. Palhinha Machado

Fevereiro de 2012

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