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A bem da Nação

LIDO COM INTERESSE – 53

 

 

 

Na busca de fundamentos que sustentem especulação que ora me passa pela cabeça, eis-me com um livrinho na mão, escassas 80 páginas, formato de bolso: «Isabel de Aragão, Rainha Santa», de Vitorino Nemésio (Texto Editores, 1ª edição - Outubro de 2011).

 

Rapidamente vi que não iria encontrar grandes pistas para a minha investigação e foi depressa também que me comecei a encantar com o estilo da escrita e quase a abdicar do conteúdo. Lembrei-me do meu Avô que lia e relia certas obras de Camilo e de Eça pelo prazer dos estilos literários e abdicando totalmente dos enredos que já conhecia de cor e salteados.

 

De assinalável rigor histórico – nem sequer imaginaria Nemésio a inventar coisas só para enfeitar páginas – fiquei a saber que Dante referiu D. Dinis na «Divina Comédia» (que nunca li). Mas para além da seriedade factual, foi mesmo o estilo literário que mais me satisfez.

 

A bondade da rainha ficou na História e de tal modo essa virtude se elevou física e espiritualmente que Urbano VIII a faz subir aos altares. Admito, por enquanto, que o tenha feito como modo pragmático de agregar a Roma alguém cuja fé original pode ter a ver com os banidos no longínquo segundo Concílio de Efeso (431)...

 

Mas se as virtudes de Isabel se pautaram por parâmetros ainda hoje irrepreensíveis mas sempre com uma grande espiritualidade, as de D. Dinis, homem pragmático, seguiram figurino diferente e não raras vezes o rei se preocupou com a gestão financeira que a rainha desenvolvia, sempre adulada por «cáfila que se agarrara aos portões como carraça a podengo» exalando «fedor a desenterrados que fazia ladrar os cães e punha os milhafres de asa baixa»; e às crianças abandonadas dava ajuda mas «quando se faziam homens tirava-lhes a alpista para não se fazerem madraços». E Nemésio refere que os temores do rei começaram com um simples rebate «tão leve como frechada de estorninho que deixa a tremer o verde ramo» culminando na cena do milagre das rosas.

 

E se a serena rainha teve dois filhos, Constança e Afonso, o fogoso rei teve esses e muitos mais. Por isso refere Nemésio que nas numerosas digressões do casal régio se viam as «lombas onde a mula da Rainha subia de barbela baixa ou o cavalo de El-Rei se empinava à passagem de poldra imprevista».

 

Lembremo-nos de que a astúcia de D. Dinis era enorme a ponto de conseguir trocar as voltas ao seu irmão, o infante D. Afonso, de modo a que as propriedades raianas voltaram à posse do rei por troca de outras no litoral onde o infante não mais poderia conspirar em contacto directo com Castela: «Chamasse agora o castelhano para uma fogueira de súcia, depois da carqueja molhada...».

 

A diplomacia a que a rainha se dedicou durante todo o reinado no intuito de fazer a paz entre os permanentes conflituantes, deu para afirmar que «Portugal era de ares muito finos, havia sempre aves afadigadas que passavam os bicos por cima das sombras de Isabel». Essas desavenças perturbavam seriamente o reino a ponto de que «só na redondeza de Leiria o verde pino deitava as orelhas de fora para crescer». Entretanto, de tanto atender aos contendores, «a mula da Rainha andava de cascos gastos». Vir a Lisboa passava por «ver para que lado corriam os corvos de S. Vicente».

 

O cenário ridente da construção do Convento de Santa Clara (a nova) mereceu o comentário de que «a sua mula mordia freio de prata e o Sol não sabia em que mais pedras havia de pôr os raios» não obstando, contudo, a que «um monstro de testa chata abraçava um fecho de abóbada e dois bichos de corpo de lesma e cabeça de lobo enroscavam-se um ao outro num capitel. Isabel tinha consigo mestres de boas lembranças!». Mistério!

 

E de que especulação trato? A seu tempo se verá. Se...

 

Tetrapylon - Afrodisias.JPG

Henrique Salles da Fonseca

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