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A bem da Nação

S. Tomé e Príncipe

Notas sobre uma viagem de turismo

 

PRIMEIRA PARTE

 

Em cumprimento do previsto e anunciado, fui com a família a S.Tomé e Príncipe de 12 a 20 de Fevereiro deste ano de 2005. Levantámos voo de Lisboa por volta da meia-noite de Sábado para Domingo e chegámos a S. Tomé pelas 6 e pouco da manhã. Avião praticamente cheio de portugueses com alguns franceses à mistura.

 

No aeroporto já estavam alguns “minibuses” à espera dos cerca de 50 turistas com destino ao Ilhéu das Rolas. Foram quase 80 penosos kms porque estávamos cansados da viagem de 6 horas nocturnas de avião e porque a estrada já viu melhores dias; chegámos à Ponta Baleia duas horas depois e tomámos o barco para o Ilhéu numa viagem de cerca de 20 minutos.

 

Só o deslumbramento das paisagens por que íamos passando escamoteava o cansaço. Foi com alívio que nos vimos no destino, sossegadamente nos instalámos, demos um mergulho na piscina e começámos a pensar no almoço.

 

O empreendimento hoteleiro das Rolas já existe há 7 anos mas só agora, no princípio de Fevereiro, é que passou para a gerência dos actuais proprietários, o Grupo Pestana.

 

Primeira nota sensibilizante: a bandeira portuguesa bem à frente de quem chega mas dando logicamente a direita à bandeira santomense como é de protocolo.

 

O Ilhéu das Rolas tem sensivelmente a forma de um ovo com cerca de 2 kms de comprimento e a largura máxima de 1,5 kms. É lá que passa o Equador, de acordo com a confirmação feita pelo Almirante Gago Coutinho. De rocha vulcânica, tem contudo praias com areia amarela à nossa maneira e o solo é praticamente todo ocupado por vegetação que seria muito densa se não estivesse domada pelo homem que ali produz sobretudo côco. O Senhor Sílvio Cerveira, – português, – é o dono da roça e foi ele que fez o empreendimento hoteleiro que há pouco vendeu ao Grupo Pestana.

 

Não viverão em permanência no Ilhéu mais que 200 pessoas que moram em casas tipificadas feitas pelo proprietário da roça ao longo de uma rua com um certo ordenamento. Para além da roça propriamente dita, há pequenas parcelas em que os residentes mais dinâmicos produzem frutos e mandioca tanto para consumo próprio como para fornecimento ao hotel. O mesmo se diga do peixe abundante que é capturado por uma trintena de pirogas.

 

Sugiro a quem lá vá que se esqueça de pedir uma galinha assada. Por alguns motivos: ao matarem uma galinha, deixam de produzir ovos e esses têm mercado assegurado; ao matarem um galo, deixam de ter variedade reprodutiva e condenam a espécie; machos ou fêmeas, todos são pequenos e não enchem a barriga a um turista; só devem ter osso e constituem um perigo para quem tenha dentadura postiça ou “pivots”. Com a agravante de que no Ilhéu não há dentista. Aliás, no hotel não servem galinha – e eles lá sabem porquê . . . Só o Duarte é que se aventura a servir almoços mais ou menos piratas na praia “Maria Café” e posso dizer-vos que este verdadeiro empresário é um herói que do nada faz surgir um almoço: na praia angaria a clientela e manda os “sócios” para o mar à pesca do necessário e suficiente para os almoços contratados; no toco de uma árvore instala uma mesa redonda onde coubemos onze pândegos sentados em blocos de cimento que um dia servirão não se sabe bem para quê. Toalha de plástico cor-de-rosa com debruados de renda branca, copos e pratos de vidro, faqueiro suficiente.

 

Depois de muitos mergulhos e de distribuirmos os jornais lidos pela criançada que nos rodeava, lá chegou o almoço à cabeça do grande empresário Duarte; os “sócios” traziam as bebidas que consistiam em cerveja em garrafa e sumos em lata. O peixe assado tinha um tempero inesquecível e mesmo as Senhoras que habitualmente não gostam de picantes se renderam à evidência de paladar tão “exquis”; a fruta já tinha sido servida antes do almoço e consistiu em água de côco, carambola e goiaba. Dispensámos o café mas, na verdade, ninguém sequer perguntou se havia.

 

Algumas notas à margem deste almoço:

 

- As crianças santomenses que estiveram sempre connosco na praia nunca pediram nada e apenas mostraram interesse pelos jornais que íamos lendo; todas estão escolarizadas e enfrentaram com coragem a prova que um de nós lhes colocou de lerem breves trechos de uma entrevista que o Professor Eduardo Lourenço dera ao “Expresso”; prevaleceu o bom senso de não exigirmos interpretações ao texto por parte de crianças rondando os dez ou doze anos; um resultado em tudo igual se fossem “ressortissants” dos Champs Elysées;

 

- Estando nós habituados em Portugal a misturar várias espécies de café robusta e arábica de diferentes origens, ficámos todos espantados com o aroma e paladar do café santomense, de uma única espécie e não susceptível de loteamentos; dá para nos perguntarmos se andamos a fazer bem com as misturadas a que nos habituámos por cá na Europa em que até já há quem estranhe a falta de chicória e de outras mistelas mais ou menos ofensivas do bom gosto. Atenção, muita atenção, o “café de saco” é muito, muito bom mas o café expresso é como no Brasil: para esquecer! Porquê? Desconheço totalmente e fico à espera que alguém mais entendido nestas coisas do café nos explique.

 

Os jantares eram sempre no hotel sendo o restaurante num promontório isolado no extremo nascente da ilha, bem sobranceiro ao mar, sem paredes e muito menos janelas. A maior parte dos comes é de origem local e só os bebes vínicos é que logicamente são importados por manifesta falta de oferta local. É evidente a conveniência deste aprovisionamento local pois isso está a produzir efeitos imediatos muito benéficos sobre as populações que fazem esses fornecimentos. É claro que tudo ainda tem que “rodar” um pouco mais mas a verdade é que esta situação estava a acontecer apenas há 15 dias e ainda ninguém se habituou ao maior volume do consumo provocado pelo novo e constante afluxo de turistas que o Grupo hoteleiro consegue lá levar.

 

Viemos a saber mais tarde que o hotel tem uma roça na Ilha de S. Tomé onde produz a fruta que serve aos hóspedes. Visitámos essa roça: duvido que ela seja suficiente para o actual nível e variedade de consumo e desejo que passe a haver mais fornecedores como factor multiplicador da riqueza. O maior consumo não vai provocar aumento dos preços dos aprovisionamentos pois estamos perante um monopsónio local que se auto-condicionou pelas tarifas que pratica no mercado turístico. Esse problema só ocorrerá quando outras unidades hoteleiras existirem no extremo sul da Ilha de S. Tomé e começarem a entrar no mercado como compradoras de produtos nacionais. Por enquanto, as que existem lá mais para norte ainda estão lamentavelmente “penduradas” nas importações.

 

Conclusão: as pessoas, o clima e a paisagem foram as causas do meu agrado.

 

FIM DA PRIMEIRA PARTE

 

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2005

 

Henrique Salles da Fonseca

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