O ATRASO DO BRASIL
Foto: arquivo particular da Autora
Em época de chuvas de verão, o centro-oeste e o sudeste do país passam por situações graves de calamidade pública. São os rios que sobem de nível assustadoramente, são os desabamentos de terra facilitados pelo desmatamento indiscriminado e criminoso nas áreas de preservação ambiental. Nas cidades são as construções irregulares, feitas em lugares impróprios, perigosos, numa desobediência às determinações da segurança pública, com a passividade e anuência de autoridades corruptas, indiferentes ao bem-estar da população. É o manto asfáltico impermeabilizando o chão, escoando as águas pluviais para as regiões mais baixas e bueiros obstruídos pela sujeira deixada por uma população mal-educada e um serviço público ineficiente. Tudo isso e as chuvas constantes favorecem às enchentes que põem em alerta a defesa civil, e a sociedade em geral. Quando os desastres acontecem, todos colaboram e ajudam com trabalhos voluntários, roupas, alimentos, remédios, produtos de limpeza, numa demonstração inequívoca do carácter bom e sensível do povo brasileiro. Mas todo o ano é a mesma história, chuvas, alagamentos, quedas de barreiras, famílias desabrigadas, mortes por soterramento, acidentes nas estradas. O bom-senso nos diz: - Por que não prevenir, por que não evitar todas essas situações de calamidade pública? Por que é que a população mais carente é a que mais sofre com as mudanças de tempo e os desastres naturais? O que fazem as autoridades?
Ao fazer minha caminhada diária, numa manhã fria e acinzentada, sob um céu nublado, com a ameaça de novos temporais para o final da semana, encontrei servidores da limpeza urbana varrendo os meio-fios, limpando as praças, recolhendo o lixo acumulado, para diminuir o risco de enchentes na cidade. Pensei, era uma atitude acertada da Prefeitura, que deveria ser feita com mais regularidade, porém estava sendo executada de maneira incorrecta, com alguns elementos, ao fazerem o seu trabalho, deixando para trás com frequência, papéis, garrafas pet, pequenos animais mortos na estrada, num serviço malfeito e insuficiente. Perguntei a mim mesma, será que esses indivíduos não percebem a importância do seu trabalho? Será que eles têm a consciência de que estão arriscando a saúde da população com essa displicência? Será que não se importam com a impressão de desleixo que as ruas sujas e mal arranjadas passam? Será que só o dinheiro que recebem no final do mês é o que esperam do que fazem? Será que estão insatisfeitos com seus salários? Por que esta atitude relaxada, descompromissada com a Prefeitura e a com sociedade a que pertencem?
Enquanto andava, busquei na memória da história a resposta às minhas indagações.
Não há como negar, a sociedade e cultura brasileiras tiveram uma forte influência portuguesa. Nos primórdios da existência, como nação civilizada, o Brasil foi gerido e administrado pela elite portuguesa, que empregava escravos índios e negros, brancos pobres e ignorantes, imigrados, como mão-de-obra barata para os serviços sujos, pesados, manuais, menos reconhecidos socialmente. Esse sistema governativo, importado do Império Português, era alicerçado numa rede social e familiar de privilégios, de troca de favores, de serviços prestados pagos com terras, mercês, mordomias, cargos de comando e administração, que garantiam uma base política de sustentação do poder. Essa maneira de governar ficou entranhada na memória brasileira, apesar das mudanças de épocas e governos.
Ainda hoje, o nepotismo, o jogo de favorecimentos, o caixa dois, os conchavos, a tendência para tirar vantagens, quando em posição de comando, são manchas que envergonham a actividade pública brasileira, que atravancam o progresso, e desacreditam os políticos, perante a sociedade e as democracias estrangeiras.
Já o povão menosprezado ficou, continuou sem educação. Mão-de-obra barata, massa humana de manipulação, trabalhava para os interesses daqueles que detinham o poder. Num sistema social como aquele, que não valorizava o trabalho duro e não oferecia estudo à população, raramente se via um dos seus componentes atingir uma posição social de destaque ou de importância política.
Como escravos ou empregados pouco instruídos e mal pagos, não tendo voz ou poder de cobrança e reacção, para se vingar daquela submissa situação, usavam de subterfúgios para enganar, faziam pequenos roubos, sabotavam os serviços, até envenenavam donos e patrões.
Mesmo na actualidade, com a escola, ainda deficiente em qualidade, porém acessível a todos, há por parte do homem comum, mais simplório, a ideia cristã-velha, que o trabalho manual, menos visível socialmente, diminui a pessoa. O importante é ser rico, famoso, e influente. O patrão (entidade ou pessoa) é aquele que tem o poder, que apesar de lhe dar emprego, é a constatação da sua inferioridade, da sua submissão, merece a antipatia e a sabotagem.
Apesar das mudanças sociais que ocorreram ao longo dos anos, no subconsciente do povo brasileiro, ainda existe aquela impressão social depreciativa, herdada do regime antigo, que não tem mais lugar na sociedade contemporânea, onde fazer o bem-feito, qualquer que seja o métier, dá reconhecimento e dinheiro! Já no governo..., muita coisa ainda tem que ser feita!
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 12/01/12