FUNDAÇÃO DO HOSPITAL MILITAR DE S. JOÃO DE DEUS, EM MOÇAMBIQUE - 3
O Príncipe D. Pedro, futuro Rei D. Pedro II de Portugal (1648 — 1706)
O Príncipe julgou resolver o caso «com pouco custo», mandando comprar umas casas que andavam em leilão, até mil cruzados, por sinal, «muito capazes para se recolherem nellas, com pouco gasto, mais de quatrocentas pessoas». Ficavam «em hüa ponta della» (povoação), «em sitio muito lauado dos ares, com vista, hum poço de agoa natiua na cosinha, hü sistema bastante para della se beber, hum jardim, e fora della hüa serca que chega ao mar».
Sem demoras se devia pôr o novo hospital a funcionar, entregando o Vice-Rei a sua administração a quem lhe parecesse, até seguirem de Lisboa os Religiosos de São João de Deus.
Já se estava tratando desse assunto — informa D. Pedro II a 22 de Março de 1680 — «para que na monsão que há-de vir possão partir os mais que for possível». O Príncipe dava-lhes o privilégio de aceitarem noviços e a incumbência de abrirem o hospital, não só aos soldados e moradores «que ahy me servirem» — diz na carta ao Vice-Rei — «mas a mais gente que aí aportar». Veremos, porém, que entretanto nem se compraram as casas aos Hospitalários quando partiram, nem se lhes concedeu a faculdade de abrir noviciado.
Os preparativos da viagem transparecem ainda de um documento do Conselho Ultramarino, de 14 de Março de 1681. O Provincial de São João de Deus fez a sua exposição que o Rei mandou ao Conselho. Através do parecer deste, apenas se colhe que o Provincial pediu que fossem dadas certas ordens, as quais — «todas necessárias» — não demoraram efectivamente a serem-lhes passadas. Ao Vice-Rei devia ordenar Sua Majestade que assistisse aos Religiosos com tudo necessário, logo que chegassem à Índia, durante o tempo que aí esperassem por monção para passarem a Moçambique. À partida, os Hospitalários iriam bem providos de «sobrescedentes, botica e o mais de que necessitar aquelle Hospital».
O Provincial lembrara a necessidade de se nomearem médico e cirurgião que assistissem aos doentes. O Conselho Ultramarino tratou de resolver a questão, sem acréscimo de despesa. «Com a ocazião do primeiro socorro» que Sua Alteza mandara para os Rios, partira do Reino Paulo da Silva, que agora se encontrava na Índia. Como já fizera parte dos quadros de Moçambique, podia voltar de novo a prestar aí os seus serviços. O cirurgião já residia em Moçambique — Ambrósio Martins da Ponte, que recebera do Príncipe a graça da «carta de sirurgião mor».
«No mais que aponta o papel destes Relligiosos — conclui o Conselho Ultramarino — se disporá tudo na forma que Vossa Alteza o tem disposto».
Três dias depois, a 17 de Março desse ano de 1681, o Príncipe homologava o parecer do Conselho, determinando que «o Hospital se há-de faser em Moçambique na forma que tenho resoluto». «Aos Religiosos que agora vão — prosseguia o despacho — se darão setenta mil reis de viático a cada hum».
A 22 desse mês, D. Pedro II expunha ao Vice-Rei as mesmas questões com as resoluções do Conselho, que fizera suas e expedia o Alvará em que encarregava o Hospital de Moçambique aos Religiosos de São João de Deus, «por fundação para sua Relligião».
Desta forma tudo ficou pronto em Lisboa. O Provincial escolhera oito Religiosos, dos quais apenas conhecemos o nome de três: o Superior, Frei João de Deus, Frei Luís de Jesus Maria José e Frei José da Assunção.
Chegada a monção, os Hospitalários embarcaram em companhia de D. Francisco de Távora, que aportou em Moçambique, com as três embarcações que levava, no dia 31 de Julho. Os Religiosos instalaram-se no hospital velho e começaram logo a trabalhar.
A 19 do mês seguinte, Frei João de Deus escrevia ao Príncipe, solicitando autorização para admitir noviços que prestariam serviço no Hospital. A petição correu os trâmites burocráticos. A 14 de Novembro de 1682 o Príncipe enviava-a para o Conselho Ultramarino. Em Janeiro e Fevereiro de 83 duas consultas lançadas à margem, pronunciam-se contra a instituição do Noviciado.
A última sustentava com convicção que «para a cura dos enfermos he só necessário hospital e enfermeiros, e não noviços nem fundaçoens que podem trazer damnozas concequencias à utilidade ciuil». Esquecia-se de que a melhor aprendizagem de enfermeiro se faz nas próprias enfermarias, e ignorava, decerto, que o Noviciado nunca significa vida regalada. Anos mais tarde, o Cronista da Ordem informa que realmente funcionava noviciado em Moçambique. O próprio comissário geral da Índia Fr. Ant. da Encarnação, em Dezembro de 1704 afirma igualmente que aí funcionava o Noviciado da Província da Índia nesse ano com 3 noviços. (A. H. U. Exposição de Fr. Ant. da Ene. e Goa, 1-12-1704 — Maço da índia 1701-803).
Na sua carta, Fr. João de Deus sublinha, de início, o grande número de enfermos e a falta de tudo, desde medicamentos até médicos, que assistissem aos doentes. «Com os gastos delles (enfermos) está corendo o Feitor de V. A., por ordem do Vizo Rey e nos lhe aministramos o que he necessário» — acrescenta o Hospitalário em 19 de Agosto.
(continua)
António Alberto de Andrade
Edição de 1958
A BIBLIOTECA DO MACUA