FUNDAÇÃO DO HOSPITAL MILITAR DE S. JOÃO DE DEUS, EM MOÇAMBIQUE - 1
As naus voltavam à Índia no tempo próprio, seguindo a rota do costume, com a mesma finalidade de tanta vez: levar gente de socorro às Praças do Oriente, artigos de comércio, funcionários e Ministros de Deus, que iam espalhar a Fé de Cristo entre gentes adversas.
Na monção desse ano de 1681 uma novidade levava o novo Vice-Rei da índia, D. Francisco de Távora, agraciado a 4 de Fevereiro do ano seguinte com o título de Conde de Alvor: oito Religiosos Hospitalários de São João de Deus juntavam-se à população das naus, deixando, como eles, a vida muito mais cómoda da Metrópole e com eles partilhando das mesmas incertezas de uma viagem dura, sem garantias de êxito lucrativo.
Haviam partido voluntariamente, em serviço de Deus e do Rei, com a grave obrigação que à consciência impõe um voto religioso. Um vínculo especial distinguia estes dos demais Frades. Por dever de ofício e em virtude da promessa feita a Deus, por força do voto, os Hospitalários tinham-se obrigado a tratar convenientemente dos doentes. Martírio lento, o destes homens heróicos que escolhiam semelhante modo de vida.
É muito importante na história simples dos freires de São João de Deus, o lugar que na sua vida ocupa o voto da caridade.
O ideal que os fazia deslocarem-se a regiões distantes nada tinha de aventureiro. Clima e demais condições de vida tornavam aquela região «a mais inimiga dos Europeus que está do Cabo da Boa Esperança para dentro», segundo a frase de um desses mártires da caridade.
O clima realmente «agazalhava» tão mal os portugueses que, por exemplo, da gente embarcada na monção de 1681, «em quatro mezes de assistência constava serem mortos no Hospital, e fora delle, cento e trinta e seis soldados».
Não é difícil determinar o motivo do embarque dos Hospitalários para o Ultramar: haviam sido os enfermeiros solícitos das guerras da Restauração, continuando depois a exercer esse múnus com igual dedicação e desinteresse. Por outro lado, o Instituto dos Jesuítas, que nalgumas regiões do Ultramar se haviam encarregado da cura dos doentes, mandava-os antes para a pregação e catequização dos povos e para o ensino da mocidade dos Colégios.
Data de 1507 o hospital de Moçambique, «üa casa grande em modo de esprital pêra agasalhar os doentes, que ordinariamente havia no tempo que as naus ali invernavam»; «huma casa grande com grande varanda de trás, e casa apartada pêra o enfermeiro, e outra pêra botica, e aposento do mestre, em que metterão os doentes em cateres que se fizerão».
Cem anos depois, Fr. João dos Santos informava que, junto da fortaleza velha, havia «um hospital, onde se curam todos os enfermos que adoecem na terra, e os que vem de fora a este porto, assim da Índia como de Portugal. O que se faz com muita caridade e deligencia. D'este hospital tem cuidado o provedor e irmãos da Misericórdia, mas o gasto d'elle é à custa d'El Rei».
(continua)
António Alberto de Andrade
Edição de 1958
A BIBLIOTECA DO MACUA