S. Tomé e Príncipe
Notas sobre uma viagem de turismo
TERCEIRA PARTE
Resumo da 2ª parte: Périplo rodoviário da ilha de S. Tomé por concluir; notável actividade educativa perspectivando um futuro mais exigente; tradicional modelo de desenvolvimento completamente exaurido; opção urgente entre maledicência histórica de Portugal e constantes pedidos de ajuda; catarse da corrupção afasta os políticos da realidade do país; turbulência política no horizonte.
Constatação: a Força Aérea santomense é composta por um Aviocar português, servido por tripulações portuguesas; a Armada santomense é composta por duas lanchas de desembarque e o treino do pessoal do navio prometido pelos EUA está a ser feito por oficiais da Armada portuguesa; os fardamentos dos militares do Exército santomense são portugueses, fabricados nas nossas Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento, ali em Belém. Pergunta: porque é que continuam apagadas as armas de Portugal no brasão sobre a entrada principal da Fortaleza de S.Sebastião?
Constatação: a reforma agrária que em 1975 varreu o sul de Portugal já foi desmantelada não só porque as UCPs faliram como porque provou à saciedade que não servia os interesses daqueles que se propunha defender. Pergunta: porque é que se insiste na nacionalização das empresas agrícolas santomenses que estão falidas, paralisadas e em ruínas?
Estas duas constatações e as respectivas perguntas não são capciosas porque não pretendem induzir seja quem fôr em erro mas têm respostas tão evidentes que até me escuso de as escrever. O que não me escuso de fazer é chamar a atenção para o facto de elas se relacionarem com duas realidades de dimensão de Estado, ou seja, com a Soberania Nacional e com o modelo de desenvolvimento da Economia Nacional.
Questão fundamental para um Estado, a soberania nacional só pode ser exercida se puder contar com o apropriado financiamento e este ou tem origem interna - gerado pelos impostos cobrados - ou tem origem externa em doações feitas pelos amigos.
Eis como três temas, a Defesa, a Economia e os Negócios Estrangeiros, aparentemente tão distantes, estão, afinal, intimamente relacionados.
Já dissertei suficientemente sobre a Defesa e sobre a Economia santomenses; tratar mais delas podia ser pleonástico ou até mesmo cacofónico.
Resta o terceiro tema, o tal que resolve os problemas do primeiro quando o segundo não corresponde em conformidade: Negócios Estrangeiros.
Que política externa deve seguir um país que percorre os fora internacionais de mão estendida à procura de esmolas? Que política externa deve seguir um país que põe a sua soberania nas mãos de uma ou duas multinacionais? Que política externa deve seguir um país que se encontra na fronteira do novo Tratado de Tordesilhas do petróleo? Que novos amigos vêm agora ao cheiro das riquezas descobertas recentemente? As respostas parecem-me óbvias e julgo que não há melhores do que os velhos amigos.
Com a transferência das Colónias portuguesas para a jurisdição do Império Soviético, os novos Senhores afinavam por um diapasão materialista em que a solidariedade não passava de palavra vã de cartilha doutrinária, a convivência não existia e a mundividência bebia nas fontes das estepes siberianas. Com os portugueses a serem enxotados e as roças a entrarem em colapso, desapareceu num ápice a estrutura hospitalar privada do país, subiram as endemias em flecha, ficaram todos no desamparo que é a fórmula extrema a que naquelas latitudes chega o desemprego. A solidariedade soviética traduziu-se em hinos patrióticos pois o rublo não tinha curso internacional e não comprava o arroz que faltava como complemento habitual da mandioca e quando o estreitamento de laços entre os povos se assemelha aos definidos no sindicalismo, então estamos a lidar com uma base proletária descapitalizada, incapaz de resolver os problemas colocados pela própria pobreza.
A convivência não foi suficiente para gerar mulatos com traços do Gengis Kahn. A mundividência tinha sobretudo a ver com a luta de classes mas as classes ricas estavam longe de pensar em ir a S. Tomé nesses idos de 70 e os santomenses acabaram sozinhos a fazer luta de classes como o pobre D. Quixote, contra moinhos imaginários. Nesse tempo as contas públicas santomenses eram segredo de Estado. Entretanto, o próprio Império Soviético colapsou e assim se libertou o mundo dessa infâmia que se chamava colectivismo. Mas ficaram as chagas, nomeadamente nessa terra linda que se chama S. Tomé e Príncipe e nas tão simpáticas gentes que a habitam.
Está na hora de sarar os males e os panos quentes já não são suficientes. Para o bem de quem não tem culpa de ter nascido e de viver em S. Tomé e Príncipe, eu faço os seguintes votos: Que os políticos todos se compenetrem de que não são donos do país; Que os políticos todos sirvam o país em vez de se servirem dele; Que o nacionalismo santomense se baseie na naturalidade do direito à autodeterminação em vez de invocar em Museu os maus exemplos de quem não representa a nação portuguesa; Que institucionalmente se abra um debate nacional sobre política económica; Que se consiga - à semelhança do que oportunamente fez Cabo Verde - um Acordo de Cooperação Cambial com Portugal de modo a evitar maior erosão da Dobra; Que - com o apoio da OMS e de alguma Universidade - se consiga instalar uma Escola de Medicina Tropical que ajude a resolver os problemas endémicos e atraia estudantes de todo o mundo; Que no âmbito do nascente modelo de desenvolvimento os empresários hoteleiros se associem com o principal objectivo de promoverem a instalação e assegurarem o funcionamento de uma Escola de Hotelaria; Que com o apoio da FAO e de várias Universidades se organize o Congresso da Pesca e o do Cacau; Que se façam as pazes com o investimento directo estrangeiro e, descomplexadamente, se convide os antigos proprietários a retomarem as empresas de que foram expulsos; Que o Vaticano reconheça a soberania de S. Tomé e Príncipe e não considere mais o país como uma colónia de Angola; Que o petróleo não seja motivo para a desgraça de S. Tomé e Príncipe.
Quem me quiser acompanhar, diga agora: ÁMEN !
FIM DA TERCEIRA E ÚLTIMA PARTE
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2005
Henrique Salles da Fonseca