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A bem da Nação

UMA RADIOGRAFIA ANTIGA

  Esopo

 

 

A mania das grandezas

Que faz que desejemos imitar

Os que sabemos poderosos,

Já Esopo a tratou,

La Fontaine o imitou

Embora, em vez dum gaio,

Tivesse escolhido um corvo,

Como émulo da águia

Que o cordeiro roubou.

 

A fábula primeira,

A de Esopo, a verdadeira,

Que as outras originou,

Já em tempos a li

E traduzi.

Vejamos o que disse La Fontaine

Muitos
séculos depois, o dezassete:

 

«O corvo querendo imitar a águia»

 

A ave de Júpiter, símbolo pois de poder altaneiro,

Apanhando nas presas um cordeiro,

Foi avistada por um corvo pretensioso,

Que, embora mais frágil dos rins, não era menos guloso,

E decidiu imediatamente imitá-la,

Por ser tolo.

Outros diriam brioso.

Girando à volta do rebanho,

Entre cem carneiros escolhe o anho

Mais gordo e bonito,

Um verdadeiro cordeiro de sacrifício

Destinado à boca dos deuses,

Que disso tinham o vício.

O espertalhão do corvo dizia,

Olhando-o com meiguice,

Sem se aperceber da tolice:

«Não sei quem foi tua ama,

Mas o teu corpo me chama:

Servir-me-ás lindamente

De alimento providente.»

Sobre o anho, que ao ouvi-lo baliu,

Se lançou com arreganho:

A lãzuda criatura

Pesava mais do que um queijo

Bem contra o seu desejo,

Além de que o seu velo

Era duma extrema espessura,

Não muito belo,

Porque emaranhado como a barba

Do “bruto” Polifemo.

Nele se enfiaram as garras do Corvo tão tortuosamente

Que o pobrezinho não pôde dele safar-se.

O pastor chegou, que o apanhou e o enfiou à pressa

Na gaiola, para divertimento dos filhos,

Encantados com a surpresa.

É preciso sabermos medir as nossas forças;

A consequência é nítida:

Mal fazem os ladrõezinhos em querer

Os ladrões autênticos imitar:

A fábula é exemplo de perigoso engodo:

Nem todos os comedores de gentes são grandes senhores.

Onde passou a Vespa

Apenas o Mosquito resta.

 

Mas La Fontaine estava muito longe do que se passa por cá

E até lá por fora, agora,

Em sítios de maiores responsabilidades

Porque de maiores potencialidades.

Aquilo a que temos diariamente assistido

É uma insólita formação vigarística,

Que ao invés de partir das águias superiores,

Parte muitas vezes

Dos pardais de estatutos inferiores,

Que vão crescendo, à medida que vão aprendendo

Com águias ou com outros pardais iguais,

E a dada altura, atingindo os estatutos convenientes,

Com as suas corrupções mais que repelentes,

Mosquitos inicialmente,

Vespas desleais, depois,

Espalham uma rede tão sombria de vilania

Que ninguém mais poderá eliminar algum dia.

 

Berta Brás.jpg Berta Brás

 

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