A GREVE GERAL FARÁ SENTIDO?
Tenho a maior dificuldade em perceber quais as vantagens de uma greve geral num país falido. Nas presentes circunstâncias, com a greve geral, as reivindicações não são atendidas. O desemprego não diminui. A produção não aumenta. A legitimidade democrática das instituições não se altera. A crise não se resolve. Ninguém lucra absolutamente nada com ela, a começar pelos participantes. A situação em que se encontram ficará rigorosamente na mesma, se não piorar como é o mais provável.
No tempo de Marx, o enriquecimento crescente dos patrões podia ser visto como correlativo da pauperização crescente e acelerada da exploração dos trabalhadores. O alvo clássico de uma greve é, por definição, a entidade patronal que, comprando a força de trabalho alheia, acumula mais-valias à custa do esforço de cada um daqueles que a prestam. Trata-se portanto de impedir o capital de ter a sua esperada e fundamental rentabilidade.
Nos últimos 150 anos as coisas mudaram muito. O estatuto dos trabalhadores no século XXI não é, nem de perto nem de longe, comparável ao que era no século XIX. Já não é por essa via que, de diferenças quantitativas, se passa a diferenças qualitativas, mesmo numa situação de escassez e desigualdades gritantes como a de hoje.
Actualmente, que se saiba, a enorme maioria das entidades patronais, em Portugal, só acumula prejuízos e riscos de insolvência. Os milhares de pequenas e médias empresas que têm vindo a desaparecer de ano para ano não vão reagir a uma greve, desde logo pela razão singela de que fecharam as portas. A não ser que se pretenda realizar uma "greve geral de desempregados", o que será um conceito tão inédito quanto macabro.
Às empresas que ainda resistem, pouco ou nada resta para efeito de eventuais cedências ao que lhes seja exigido. Não têm crédito, não são competitivas, não conseguem adquirir matérias-prima ou não têm mercado para os seus produtos. Nenhuma greve geral dos que ainda têm a sorte de ter emprego conseguirá alterar uma situação que as transcende.
A situação nos mercados internacionais, a especulação bolsista, as dinâmicas financeiras desenfreadas, o verdadeiro capitalismo apátrida, a concorrência das economias emergentes, ocorrendo num plano de globalização de impossível controle por parte das autoridades nacionais e até das internacionais, implicam muitas vezes que manter postos de trabalho corresponda a um prejuízo e não a um lucro.
Entidades patronais e empresas, que já estão pelas ruas da amargura, não vão sentir-se compelidas a alterar o status quo da sua relação com os trabalhadores. Nem podem. A situação é de falência geral. A consequência lógica inevitável será a deterioração das condições de trabalho e ainda mais suspensões de actividade e despedimentos. Além disso, ninguém investe em potenciais de instabilidade e paralisação do trabalho, mesmo que a mão-de-obra seja mais barata... Para isso, há as deslocalizações de unidades industriais e de serviços para vários países da Ásia, onde todos os factores de produção, incluindo a disciplina, se conjugam mais a contento dos interessados.
No sector público, a consequência da greve geral será pois um conjunto de serviços e actividades ainda mais degradados com forte lesão dos interesses legítimos de muita gente. O Estado não é propriamente um patrão com a vocação de enriquecer. Os serviços públicos são, normalmente, geradores de prejuízos, e por isso é que se espera do Estado que os preste.
Pode dizer-se que algumas das medidas que o Governo está a tomar atingem as raias da barbaridade. É verdade. Mas também se pode dizer que as coisas se degradaram a tal ponto que não se vê nenhuma alternativa. Está-se agora ante a falência global do sistema e também não é a greve que vai regenerá-lo. Só vai agravar as coisas, em nome de chavões políticos que já não levam a lado nenhum. A questão deixou de ser ideológica para ser de simples bom senso.
Nos tempos que correm e numa situação como a nossa, a greve como instrumento de luta, torna-se inócua e sai cara demais a toda a gente.
Os custos da operação, da paralisação dos serviços, do empobrecimento agravado do país, vão ser, mais uma vez, inevitavelmente, suportados pelos contribuintes. Se os contribuintes resolvessem, por sua vez, fazer greve geral aos impostos, então até as greves gerais iriam por água abaixo...
VASCO GRAÇA MOURA