CURIOSIDADES – PORTUGAL, 1814
(*)
Marechal ou um verdadeiro «penduricalho de medalhas»
É difícil imaginar o descalabro que foi, durante vários reinados, o governo “português” nos antigamentes, mas vamos dar uma pálida
ideia do que se passava em 1814.
Só entre 1808 e 1814 devem ter morrido centenas de milhares de homens, mulheres e crianças, com a guerra, a miséria e a fome.
Com a família real no Rio de Janeiro, Portugal foi pasto dos exércitos ingleses. Eles, só, mandavam. Mas é impressionante ver a quantidade de oficiais, nas Forças Armadas, tanto em Portugal quanto no Brasil, sabendo-se que no Brasil praticamente não havia nem exército nem marinha, e o português estava desmantelado.
Era “rei” de Portugal o Duque de Wellington, que não abriu mão de ter no comando da maioria do exército, oficiais ingleses. Os portugueses “enchiam” os postos de major para baixo, os mais altos eram de nomeação inglesa.
Ficaram de fora os regimentos de artilharia e cavalaria, porque certamente eram menos importantes do que a infantaria, e nesse tempo não havia tanques!
Do mesmo modo a “marinha portuguesa”, i. e, os seus poucos navios, mantiveram os seus comandantes, uma vez que todos eles estavam subjugados à marinha inglesa.
Mas o que mais espanta é a exorbitante quantidade de marechais, generais, coronéis, etc., portugueses, quando se sabe que o nosso exército estava extremamente reduzido.
Também impressiona a quantidade de oficiais que foram atrás de D. João VI para o Brasil.
Se a corte já era mal administrada, perdulária, basta imaginar o que seriam estas largas centenas de oficiais, a grande maioria sem nada o que fazer, a não ser pavonear-se nas suas fardas cheias de enfeites, quais carnavalescos!
Para se ter uma ideia da organização das Forças Armadas em Portugal basta ver um pouco da sua composição, segundo o Almanach de Lisboa de 1814:
Estado Maior do Exército
Marechal General – Arthur Wellesley, Conde do Vimeiro, Marquez de Wellington e de Torres Vedras, Duque de Ciudad Rodrigo e da Victoria, Grande de Hespanha de primeira classe, Cavaleiro da mui distincta Ordem Militar do Banho, Grã Cruz e Comendador da Torre e Espada, e da Militar e Nacional de S. Fernando de Hespanha, Feld Marechal do Exército de Sua Majestade Britânica, Generalíssimo dos Exércitos de Sua Majestade Católica, do Conselho do Príncipe Regente de Portugal, Marechal Real dos seus Exércitos, e Comandante em Chefe das forças aliadas na Península.
Marechal dos Exércitos – William Carr de Beresford, Marquez de Campo Maior, Conde de Trancoso.
Havia um terceiro Marechal de Exército, graduado - Marquez de Vagos... no Rio de Janeiro!
E mais: Vinte e três Tenentes Generais, dezanove Marechais de Campo efectivos, sete Marechais de Campo graduados, oito Marechais de Campo reformados, vinte e cinco Brigadeiros efectivos, dos quais oito eram ingleses, cinco Brigadeiros graduados e quinze Brigadeiros reformados. Além de inúmeros outros oficiais de menor patente.
Estado Maior do Marechal General Duque da Victoria
O coronel, João de Vasconcellos e Sá e mais dois ingleses, um coronel e um capitão
Estado Maior do Marechal Marquez de Campo Maior
Quartel-mestre General, inglês, brig., além de cinco ajudantes às ordens, dois ingleses e três portugueses.
Comando Geral da Engenharia (Todos portugueses)
Comandante Geral Mathias Dias Azedo, Ten. Gen., e mais um Marechal de Campo, três Brigadeiros, dez Coronéis, Tenentes Coronéis, Majores e mais um monte de Capitães.
Inspecção Geral de Infantaria
Inspector geral, John Hamilton, Ten.Gen.
Dos vinte e quatro Regimentos de Infantaria, dezasseis eram comandados por ingleses. Dos oito restantes, sete tinham como segundo comandante um inglês!
Mais doze Batalhões de Caçadores, dez comandados por ingleses.
Depósito Geral de Recrutamento da Infantaria e Caçadores
Inspector geral, Richard Blunt, Marechal de Campo Cor. John Watling
Regimentos de Cavalaria
Dezasseis Regimentos, um só comandado por ingleses
Depósito Geral de Recrutamento da Cavalaria
Com. Cor. John Browe e Ten. William Leach
Marinha de Guerra
Nove Chefes de Esquadra, dos quais cinco no Rio de Janeiro, vinte seis Chefes de Divisão, vinte e um no Brasil, cinquenta e cinco Capitães-de-fragata, mais quarenta e cinco no Rio de Janeiro, e um “mar” de outros oficiais.
Tudo isto além de muita outra gente colocada especificamente no Brasil.
Com toda esta parafernália, e os ingleses estavam unicamente interessados em manter Portugal como base para protecção das suas bases no Mediterrâneo, como Gibraltar, ameaçada pelas forças de Napoleão, e a prova desse desprezo pelo “pequenino aliado”, está por exemplo em permitir que as tropas francesas ao retirarem do país, vexadas, após as derrotas que sofreram, saqueassem igrejas, conventos, palácios, etc. “Essas coisas” não preocupavam o senhor Wellington. Portugal que empobrecesse...
A Universidade de Coimbra, tinha a seguinte estrutura:
O Reformador Reitor, o Bispo de Coimbra e o Conde Arganil que vivia em Lisboa.
Mais um Cancellario, um Vice-reitor e um Secretário da Reforma que vivia também em Lisboa.
Na Faculdade de Teologia, oito lentes, mais sete substitutos e dezasseis “oppositores matriculados” (Oppositores – Eram os candidatos ao lugar de professores, possivelmente doutorandos, estagiários);
Na Faculdade de Cânones, oito lentes e oito substitutos e quinze “oppositores matriculados”;
Faculdade de Leis – nove lentes, sete lentes substitutos e oito “oppositores”;
Faculdade de Medicina – seis lentes, quatro substitutos e seis “oppositores”, entre este os “demonstradores” de Anatomia, em Lisboa (!) e de Matéria Médica;
Faculdade de Matemática – sete lentes, três substitutos e quatro “oppositores”
Faculdade de Filosofia – cinco lentes, dois substitutos e cinco “oppositores” Real Colégio das Artes – Professores de Filosofia e moral, Antiguidades e história, Rhetórica e Poética, dois de Língua grega, dois de Língua latina, além dois outros sem função anotada, mais seis substitutos;
Lisboa tinha cerca de setenta médicos e quase cem cirurgiões! Negociantes “nacionais” no Rio de Janeiro eram cerca de duzentos!
Podiam indicar-se mais uma imensa quantidade de números de ocupações que hoje nos parecem absurdas, porque produzir-se... produzia-se muito pouco!
Foram complicados aqueles tempos... e continuam ainda hoje!
A diferença é que hoje não são as ordens religiosas e a imensidão de militares “penduras” que empobrecem o país, mas a sua substituição por uma democracia partidária, que permite a uns quantos da camarilha que esbanjem, destruam e roubem o quanto quiserem, enquanto a miséria, que é visível, cresce nesse velho torrão lusitano.
Rio de Janeiro, 12 de Março de 2011