FÁBULA DOMINGUEIRA
(*)
NA COLA
Alberto João Jardim
No seu papel de comediante
Lembra-me vagamente
Uma fábula de Esopo
Que acabo de ler e traduzir
Para melhor se perceber.
É a fábula
d’ “O cão atrás do leão”:
Tal como a Madeira
Brejeira, estrangeira,
Atrás do “Continente”
Português e valente,
Como antigamente:
«Ao avistar um leão, um cão de caça,
Ambicionando a peça,
Pôs-se a correr atrás dele.
Mas bastou que o leão se voltasse
E rugisse,
O cão, com medo da mossa,
Deu logo
Às de vila Diogo.
Uma raposa atrevida,
Sem papas na língua
Disse-lhe, ao vê-lo
Em atitude indigna
Dum cão de caça de raça:
“Pobre cãozinho atrevido,
Que diz que faz!
E querias tu caçar o leão
Quando nem sequer foste capaz
De lhe suportar o rugido!”
Esta fábula poder-se-ia aplicar
A qualquer arrogante
Que arma questões
De forma fremente
Com outro mais valente,
E logo vira a casaca
Quando este lhe faz frente.»
Foi exactamente
O que me lembrou a expressão de Jardim,
Que, para evitar
Entrar em esclarecimentos
Sobre as suas dívidas multimilionárias,
Anda na cola
Da rapaziada do Continente,
Não a pedir esmola
Mas a exigir altivamente
A sua ilha independente,
Achando que dela fizera
Uma ilha auto-suficiente,
Quando sabemos que aquilo que lá foi feito
Foi à custa do Continente
Embora também
Do despotismo falsamente esclarecido
Embora bastante prolongado
Do arrogante Jardim insulado.
É certo que a exigência
Da independência
Foi feita por brincadeira,
Logo recuando na asneira
Ao lembrar que o tal Leão
De quem ele anda na cola,
É quem lhe dá provisão,
Para as suas patuscadas
E as do seu povo agradado
De entrar nas comezainas,
Sem pensar que o seu patrão
Devia ser mais educado
Mais patriota e eficaz,
Nas contas a bem da Ilha,
Segundo ele diz que faz.
Mas não passam de armadilha
Ou de patranha tamanha
Os gastos feitos na Ilha,
Ó minha filha!
Berta Brás