FOGO FÁTUO, O FOGO DAS ALMAS PENADAS
Fonte: Wikipédia
Naqueles tempos, no início do século passado, viver no interior do país, junto às matas, onde as novidades do mundo civilizado custavam a chegar, era ter com a natureza selvagem uma relação de medo e respeito.
Com a procura e valorização do café e da carne no mercado nacional e estrangeiro, os geralistas avançaram para o oeste, derrubaram florestas, abriram espaços e formaram fazendas. Para escoar a produção da região do Triangulo e permitir a movimentação de cargas e pessoas, alargaram caminhos, construíram pontes e estradas, trouxeram trilhos e trens ingleses (Estrada de Ferro Mogiana). Surgiram as pequenas cidades interioranas onde se abancaram os coronéis-fazendeiros (a maioria descendentes de portugueses), e os imigrantes, italianos, japoneses, sírio-libaneses e alguns franceses, com casas, comercio e ofícios. Na praça principal ficava a Igreja Matriz, a Câmara e o Teatro-Cinema. Nos domingos e dias de festa a banda tocava no coreto, depois da missa, enquanto as pessoas sentadas nos bancos do jardim, apreciavam o movimento de vai e vem e faziam "meio-dedo" de prosa.
A música era aprendida e valorizada como um elemento social de agregação e destaque. Violas, violões, violinos, clarinetas, bandolins e o muito apreciado acordeom eram os instrumentos da juventude boémia que à noite, depois de alguma reunião ou festa, saía altas horas pelas ruas, cantando e tocando, acordando a malta, ou oferecendo serenatas, debaixo das janelas de casas de amigos ou de donzelas.
Conta-se que numa dessas noites quentes e abafadas de verão tropical, depois de assistirem a um filme (mudo) que estava em cartaz, um jovem grupo de músicos resolveu sair em cantoria pelas ruas da cidade. Depois de muito andar, perceberam que estavam em frente ao cemitério. A luz clara da lua deixava ver acima do portal e abaixo do crucifixo o aviso: HODIE MIHI, CRAS TIBI (Hoje eu, amanhã você). Um silêncio se fez, como sinal de medo ou de respeito pelas almas do Campo-Santo. Por coincidência, ouviu-se, distante, as 12 badaladas, compassadas, do relógio da Matriz. Galhofeiro, um dos rapazes deu a ideia: tocar alguma música suave e dolente, antiga de preferência, para homenagear os moradores daquele lugar... Os amigos, inquietos, tentando demonstrar firmeza, apostos, começaram a tocar. Não durou muito tempo. No meio da música, um dos rapazes pára, com o arco do violino em riste, olhos esbugalhados, aponta para o alto. Um vulto brilhante, azul-fosforescente, ondulante, crescia por detrás do muro e parecia se deslocar em direcção a eles. Horrorizados, cabelos e pêlos eriçados, pernas bamboleantes, largaram tudo e desabalaram pelo caminho em louca carreira.
No dia seguinte a cidade inteira comentava, curiosa, a história do fogo da alma penada que assombrara os rapazes, enquanto na frente do cemitério jaziam no chão, largados, os instrumentos, esperando pela volta dos donos.
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 24 de Julho de 2011
Dados: História baseada num relato de Donato R. Borges (Memórias de Conquista)