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A bem da Nação

LAMENTÁVEL É A INGRATIDÃO

(*)


A guerra colonial começou há 50 anos. Não é do meu tempo. Só não tem o significado da guerra do Peloponeso, porque, digamos, foi uma guerra que envolveu Portugal, e Portugal sempre é o país onde nascemos. É difícil falar dela sem ceder às brigadas do politicamente correcto. Não foi o caso do Presidente da República que, numa cerimónia de homenagem aos antigos combatentes, invocou o exemplo da "coragem" e do "desprendimento com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar".

Isto, que em qualquer democracia digna não mereceria mais do que uma nota de pé de página; no nosso Portugalinho ainda não se pode dizer. O policiamento a que somos invariavelmente sujeitos deprime. A terreiro tinha logo de vir o Danton do burgo, Francisco Louçã, criticar Cavaco por "reescrever a História" e "distinguir a intervenção militar". E acrescentou a seguir o líder do Bloco de Esquerda: "Cavaco Silva está em guerra com o passado. Só assim se compreende comparar as "Forças Armadas de hoje com as da ditadura e do colonialismo."

Nunca me ocorreu fazer o mais leve reparo sobre aqueles que, tendo sido forçados pelo regime a combater uma guerra de que discordavam frontalmente, resolveram desertar, fugir ou exilar-se. (Recordo que essa infâmia foi arremessada contra Manuel Alegre nas últimas presidenciais.) Não é só por falta de legitimidade histórica ou política. Por uma questão básica de respeito: eles tinham convicções e se há exercício que testa genuinamente a consciência liberal de uma pessoa é esse. Nenhum Estado, nem mesmo numa democracia quanto mais numa ditadura, pode dispor em absoluto das convicções de consciência de uma pessoa. E não preciso dizer que muitos são credores do nosso agradecimento: lutaram por uma democracia que, apesar de ter chegado a este estado doentio, será sempre superior às alternativas.

Pelas mesmas razões, tenhamos a coragem de "vestir a pele" dos muitos portugueses nascidos na década de 30-40 que tomaram a decisão precisamente contrária. Melhor, que não tomaram qualquer decisão, porque encararam a participação na guerra como um facto inevitável. Foram muitos. Entenderam que o seu dever era estar ali. Fizeram-no pagando um preço pessoal elevado. Para a maioria, presumo, não era Salazar nem Caetano. Eram eles próprios, era o sentido do dever, da dignidade e da sobrevivência. Muitos eram milicianos, não eram bem-nascidos nas burguesias de Lisboa como o próprio Louçã e outros, não tinham tempo para pensar em política. E o que tem Louçã para dizer a esses portugueses: que estavam enganados, que todo aquele empenho, coragem e honra não merecem nenhum respeito, reverência ou admiração. Que eles não são, nem podem ser exemplo para ninguém. É isto que a cabeça totalitária de Francisco Louçã tem para lhes dizer.

Pois, como outros dizem, não apaguem a memória. Os antigos combatentes são mesmo um exemplo. E isto, repito, não é reescrever a História. A História está escrita. Tem sido escrita. Não pode é ser a História contada pelos que dela se apropriaram.

Se Louçã percebesse, já não digo valorizasse, um mínimo da ética militar, um mínimo da continuidade de valores que deve animar um país, não diria que existiam umas Forças Armadas da "ditadura e do colonialismo" e outras da democracia. Existia um regime da ditadura, tal como existe outro regime da democracia. Sim, não são iguais. Mas o dever militar, que, entre outras coisas, requer obediência e prontidão, esse tem de ser o mesmo. A culpa e a responsabilidade pertencem aos políticos. Os portugueses impreparados que irresponsavelmente partiram para a Flandres em 1918 sabiam disso.

Louçã e companhia, na sua falta de gratidão e respeito pelo passado, gostariam de esconder os antigos combatentes, fechá-los num armário para que eles não apareçam, porque são a memória de um tempo iníquo. E dizem-se eles democratas e liberais. Não vejo onde.

 

 

  Pedro Lomba

Jurista

 

Público, 17 de Março de 2011

(*)http://www.google.pt/imgres?q=monumento%2Bcombatentes%2BLisboa&um=1&hl=pt-PT&sa=N&tbm=isch&tbnid=o7JYO9_rddxQvM:&imgrefurl=http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Colonial_Portuguesa&docid=vYWVL27Kx3OAEM&w=250&h=167&ei=HixnTrCDCI-58gOQ5fTYCw&zoom=1&iact=hc&vpx=167&vpy=112&dur=96&hovh=133&hovw=200&tx=84&ty=52&page=1&tbnh=118&tbnw=169&start=0&ndsp=17&ved=1t:429,r:0,s:0&biw=1140&bih=562

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