DOM TEOTÓNIO E O MOSTEIRO DE SANTA CRUZ
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Natural de Tui, Galiza, filho de Oveco e Eugénia, Teotónio, que em grego significa “divino”, desde cedo se mostrou virtuoso, amante do estudo e, levado a Coimbra por seu tio, Dom Crescónio, bispo da dita cidade, com Dom Telo, fundador do Mosteiro de Santa Cruz, aprendeu os primeiros passos da vida religiosa, a ler e a cantar. Morto o tio, Teotónio foi mandado para Viseu sendo recebido na Sé da Bem Aventurada Virgem Maria.
"Chegado à crescente idade da letra de Pitágoras, sem tardança largou o lado esquerdo, e começou, com o celestial desejo, a subir em todas as coisas, maduro e grave." *
Ordenado hostiário, foram-lhe, entre outras obrigações, confiadas as chaves da igreja que rigorosa e religiosamente guardou, lançando fora porcos, cabras, infiéis e excomungados que invadiam o lugar sagrado. Com sua conduta e conhecimentos ensinava o catecismo e alguns anos depois foi ordenado diácono, servindo a igreja com todo o fervor.
Mais tarde, já presbítero, foi nomeado prior dessa igreja. A sua vontade e fé, haviam de levá-lo à Terra Santa, para percorrer e orar nos lugares da vida de Cristo, para o que entregou o priorado a seu colaborador. No regresso não quis mais ser o prior, dedicando-se com toda a sua força e devoção aos pobres e doentes.
Dom Telo, que em Coimbra principiava a criar o mosteiro de Santa Cruz, convenceu-o a não voltar a Jerusalém, onde queria levar uma vida de oração, mas a praticar a sua oração e caridade em Portugal, entrando para o primeiro grupo de monges, doze, que em pouco tempo eram armados cavaleiros de Cristo da Ordem de Santo Agostinho.
O Mosteiro precisava de um prior, e Dom Telo, humildemente e bem mais velho, recusou tal liderança e foi Dom Teotónio escolhido então, como o primeiro prior de Santa Cruz.
Homem de impecável rectidão, contam-se dele algumas histórias, com toda a possibilidade de serem verídicas, que mostram o seu carácter de rectidão:
- Quando prior em Viseu, estavam um dia a assistir à missa a rainha Dona Tareja e seu... amante Fernando Peres de Trava. Dom Teotónio, na homilia, indignou-se com a presença na igreja dos que viviam “mal casados”! Dona Tareja e Fernão Peres, levantaram-se, saíram da igreja, envergonhados, mas nenhuma represália sofreu o prior;
- Ainda em Viseu, um domingo, Dona Tareja preparava-se para assistir à missa; mandou dizer a Dom Teotónio que “se despachasse e dissesse azinha aquela missa”! Ele respondeu que “outra Rainha estava no céu e muito mais nobre sem comparação, à qual com muita reverência e muito devagar havia de celebrar aquela missa, e que ela, a Rainha, se podia ir ou ficar na igreja a ouvi-la, que em seu poder estava tudo. Dona Tareja conheceu seu erro e considerou-se culpada. No fim da missa mandou chamar Dom Teotónio, e logo mui humildado seu espírito, chorando lágrimas, se lançou a seus pés e pediu que rogasse a Deus por ela.”
- Bem mais tarde, a nova Rainha, Mafalda, mulher de Afonso Henriques, quis por todos os modos visitar o interior do Mosteiro de Santa Cruz, cenóbio exclusivamente reservado aos monges; o prior, “com bons modos lhe disse que havia dentro outra Rainha, e que não era regra nem costume deixar entrar mulheres num local em que habitavam os que haviam fugido do mundo, o que desagradou à Rainha, mas demonstrou o padrão de honestidade de vida daquele santo prior.”
A fama do bom prior (hoje seria chamado de abade) crescia e o Rei tinha por ele, e por toda a obra do Mosteiro a maior consideração, enchendo-o de dádivas. Inclusive o Rei o chamava quando se encontrava doente, porque era conhecida a “força” da sua presença e orações, e tanto nele confiava, que nas vésperas de atacar Santarém “com um tipo de combate não costumado, a saber, furtivamente e como se fosse um assalto, pois nunca o tinha conseguido com aparatos bélicos (o lugar era inacessível por causa da sua situação), foi ter com aquele homem de Deus e manifestou-lhe só a ele o seu plano, ao mesmo que lhe encomendou a sua alma como se fosse partir deste mundo; indicou-lhe, bem assim o dia em que pensava actuar e pediu-lhe empenhadamente que nesse dia, com os irmãos fizesse oração de comunidade por ele, e partiu.
No dia marcado o prior expôs o assunto a todos os irmãos, e que de pés descalços se fizessem ladainhas públicas e orações privadas.
No dia seguinte um bom mensageiro se apresentou a trazer a boa notícia e a anunciar, cheio de alegria que a cidade tinha sido tomada e submetida ao Rei.
Faleceu a 18 de Fevereiro de 1163 (?), aos cinquenta e seis anos da vida Del Rey, e trinta e cinco de seu reinado, com setenta e oito anos.
Terá sido canonizado no aniversário do primeiro ano após a sua morte, em cerimónia presidida por Dom João Peculiar, arcebispo de Braga e D. Miguel, bispo de Coimbra.
Só em 1234 é que a canonização passou a ser reservada ao Papa, com as Decretais de Gregório IX.
Rio de Janeiro, 26/07/2011
Francisco Gomes de Amorim
* Como tendo sido inventada por Pitágoras seria o Y, letra mística, significaria a vida humana, as duas direcções de vida com que se encontra o adolescente. Pela esquerda seguiria o caminho do mal; pela direita a rectidão, juízo e honradez.
Todos estes apontamentos sobre o Mosteiro de Santa Cruz, foram colhidos no livro “Hagiografia de Santa Cruz de Coimbra” – edição crítica do Prof. Aires A. Nascimento.