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A bem da Nação

Curtinhas LXXXIX

 (*)

ESTÁ EXPLICADO!

 

v  Sabíamo-nos um povo pobre com gostos e sonhos de gente rica.

 

v  Sabíamos, também, que lidar com o dinheiro não é – nem nunca foi – o nosso forte: haja quem vá extorqui-lo a outros e que o partilhe connosco, para dormirmos descansados.

 

v  Sabíamos ainda que os nossos maiores problemas, fomos nós que os inventámos, convencidos de que assim seriamos a inveja da Humanidade (a Constituição, as leis do trabalho, a lei do arrendamento, as leis fiscais, a lei das insolvências, as leis que regem a função pública, a regulação dos mercados financeiros, só para citar alguns casos mais conspícuos).

 

v  Sabíamos, ou suspeitávamos, que, nos últimos 20 anos, a despesa pública e a acção dos Bancos como que se conluiaram para inflacionar a procura interna - minando, despreocupadamente, a competitividade externa de uma economia que sempre se conheceu descapitalizada e mal preparada para a concorrência internacional, apesar de ter de importar grande parte dos alimentos e da energia que consome.

 

v  Sabíamos, até, que, em 2007, a crise nos encontrava numa situação extremamente fragilizada:

(1) os Bancos fortemente endividados nos mercados interbancários europeus;

(2) deficits orçamentais disfarçados com expedientes de circunstância e financiados, quase por inteiro, no exterior;

(3) uma BTC estruturalmente desequilibrada (desequilíbrios que, noutras latitudes, teriam feito disparar logo todos os alarmes, entre nós não iam merecendo mais que um ou outro comentário en passant nos relatórios de referência).

 

v  Só não sabíamos porque é que, dos políticos de todas as cores, aos comentadores e opinion makers de todos os sabores, não havia quem destoasse da litania dos estímulos “keynesianos” (pobre Keynes). Como se o investimento não fosse, antes do mais, despesa (a despesa pública, essa, era sempre despesa, por mais virtude que nela se visse) e essa despesa não tivesse de ser paga. Ou como se endividar-se para pagá-la fosse sempre possível e não conhecesse limites. Era, de facto, intrigante.

 

v   Graças ao nosso Presidente, tudo ficou, finalmente, claro como água: o deficit orçamental é uma variável endógena!

 

v  [Eu descodifico, para os Leitores menos versados em “economês”. Como em tantas outras áreas de estudo, a economia também retém da realidade, apenas, umas quantas grandezas (as variáveis), e umas quantas relações entre elas, para formar representações estilizadas acessíveis à análise e à interpretação: os modelos. O modo mais corriqueiro de fazer uso de modelos é do tipo “se então”,
em que o “se” são os valores atribuídos a umas variáveis escolhidas mais ou menos arbitrariamente (ditas “exógenas”, ou “explicativas (do modelo)”) e o “então” é visto nos valores que o modelo dá para as variáveis que restam (ditas “endógenas” ou “explicadas (no modelo)”). Logicamente, tudo isto se passa no mundo das representações estilizadas, na mente do estudioso – não na própria
realidade. É o jogo de sombras na caverna de Platão].

 

v  Ficámos a saber, agora, que, entre a nossa intelligenzia económica, os modelos não servem para ajudar a melhor analisar e interpretar a realidade. Qual quê? Eles são a própria realidade. Observá-la não é vê-la na sua complexidade, é folhear compêndios. Pena é que a realidade não ofereça as tais grandezas (elas próprias o resultado de primeiras análises, logo, estilizações) já com etiquetas, para facilitar a vida aos economistas.

 

v  Todos nós temos consciência de que há resultados que dependem só de nós (por exemplo: fazer determinado gasto) – mas são poucos. Por regra, temos de decidir num clima de incerteza, sujeitos a restrições, ou que nos são impostas, ou que impusemos a nós próprios, com as nossas decisões passadas.

 

v  São estas restrições que condicionam o nosso agir que poderíamos designar apropriadamente de “exógenas”. Mas não são grandezas, não são variáveis: são limites sobre essas grandezas isoladamente consideradas, ou sobre certas relações que as envolvem.

 

v  “Endógena” será, sim, a resposta da realidade circundante (por exemplo: os mercados) a um acto praticado. Mas da realidade como um todo, pelo que, vistas na perspectiva temporal, todas as variáveis económicas são “endógenas”. O que é dizer, o nosso Presidente parece ter da realidade uma visão estática, como se o tempo não contasse. Para ele, a realidade é uma burocracia.

 

v  Nas sociedades modernas, em que a dinâmica é dada por contratos (e pelas trocas monetárias que neles têm origem), a restrição monetária (ou nominal) é das que mais se sentem: quem tem dinheiro faz, quem não tem dinheiro fica a sonhar. Isto é válido tanto para o mais humilde de nós, como para o Governo mais poderoso da Terra, passando pelos Bancos (cada um à sua maneira, naturalmente).

 

v  No caso dos Governos, a restrição nominal alarga com os impostos cobrados e aperta com os gastos públicos efectuados. Se estes excedem aqueles, o Governo:

(1) ou fica a dever a quem com ele contratou – o que, além de distorcer a actividade económica, não é bonito (dívida pública não financeira);

(2) ou pede emprestado para pagar os gastos que fez - isto, se houver quem lhe empreste (dívida pública financeira).

 

v  No modelo de uma economia sem contactos com o resto do mundo, diz a teoria que os Governos guardam sempre três trunfos na manga:

(1) não pagar os gastos feitos (cedo ou tarde, as coisas acabam mal);

(2) pedir emprestado aos seus concidadãos (que umas vezes emprestam de boa mente, outras são obrigados a fazê-lo - mas esta não é uma distinção que preocupe a teoria por aí além);

(3) pedir emprestado ao Banco Central (o que tem por consequência aumentar a liquidez em circulação nessa economia e fazer disparar a inflação, lição que os nossos Reis nunca chegaram a aprender).

 

v  Mas numa economia assim, toda a despesa pública é financiável:

(1) ou mediante negociação (empréstimos voluntários);

(2) ou mediante extorsão (atraso de pagamentos, impostos, empréstimos forçados, inflação).

 

v  O nosso Presidente, quando afirma sem pestanejar que os deficits orçamentais são o que forem, é porque parte do princípio que será sempre possível financiá-los, como se a economia portuguesa fosse a Coreia do Norte: isolada do exterior – e com os cidadãos à mercê do exercício orçamental.

 

v  Ou talvez, no seu íntimo, acalente dois sonhos:

(1) extorquir aos investidores estrangeiros, cidadãos de outros Estados, empréstimos forçados q.b.;

(2) obter do BCE uma linha sem limite onde a Dívida Pública portuguesa possa ser colocada, consoante as conveniências orçamentais.

 

v  É que, se os deficits orçamentais podem não ser financiáveis (porque a carga fiscal atingiu o limite, empréstimos forçados não são medidas correntes em tempos de paz, o Banco Central não está pelos ajustes), então forçoso é concluir que estão sujeitos a uma restrição - e que os Governos devem ter bem presente essa restrição, para não porem o Estado e a economia em maus lençóis.

 

v  E se a soberania (como se lê na Constituição) reside no povo, o povo tem de ter a última palavra sobre, no mínimo, o que mais fragiliza a proclamada soberania, excepção feita aos actos de guerra: pôr-se nas mãos de credores estrangeiros, a Dívida Pública Externa.

 

v  Azar que nada disto venha nos compêndios, nem faça currículo nas nossas academias.

 

Agosto 2011

 

A. PALHINHA MACHADO

 

(*) MODELO ECONÓMICO ERRADO - http://www.google.pt/imgres?q=modelo%2Becon%C3%B3mico%2Berrado&um=1&hl=pt-PT&sa=N&tbm=isch&tbnid=6n7NgJDjpFkSRM:&imgrefurl=http://casadepolitica.blogspot.com/2009_03_01_archive.html&docid=1ngQD7Kr1jOj7M&w=320&h=214&ei=fXFTToNS0LbxA7KohfoF&zoom=1&iact=hc&vpx=393&vpy=235&dur=80&hovh=171&hovw=256&tx=134&ty=101&page=8&tbnh=118&tbnw=158&start=121&ndsp=18&ved=1t:429,r:2,s:121&biw=1093&bih=538

 

 

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