"Da conveniência dum Gabinete de Estudos Económicos na Estação de Melhoramento de Plantas"
De Dezembro de 1948 até ao verão de 1955 trabalhei na Estação de Melhoramento de Plantas, onde chefiei o Laboratório de Citogenética.
Porque me parecia (e continua a parecer...) que era importante medir o valor do trabalho produzido naquele organismo, propus, num colóquio realizado em 25 de Janeiro de 1952 e, posteriormente, num documento entregue ao Director, que fosse criado, na Estação, um Gabinete com esse objectivo.
Passado quase meio século e porque o Ministério da Agricultura ainda não considerou necessário esse elemento que eu considero fundamental para demonstrar, com dados muito concretos, como é fabuloso o investimento feito na investigação agronómica e como é um crime de lesa economia o que se tem andado a fazer ao sector, pareceu-me útil dar divulgação a esse escrito. O título deste artigo vai entre aspas porque é o título desse escrito, que a seguir se transcreve:
Da conveniência dum "Gabinete de Estudos Económicos" na Estação de Melhoramento de Plantas
Na evolução natural da agricultura de qualquer país verifica-se - salvo em raras excepções, resultantes de causas várias - um progressivo aumento unitário de produção, tanto em quantidade como em qualidade.
Esse aumento é o somatório da acção de muitos factores, dos múltiplos factores que temos sempre que considerar naquilo que se chama hoje ciência agronómica. A acção do homem tem-se verificado em escala cada vez maior e o facto primário donde veio a nascer a "agricultura" - a colheita, a única actividade exercida nos primeiros tempos - transformou-se, com o decorrer dos séculos, numa complicadíssima técnica.
Procurando as suas conveniências, o homem tem, sucessivamente, modificado os factores que nelas influem e - sem vaidade o podemos dizer - tem colhido resultados muito lisonjeiros, sem os quais, aliás, hoje não poderia subsistir. Actua-se, assim, sobre o solo, sobre o clima, sobre a própria planta.
Deixemos agora de parte os outros inúmeros sectores desses aperfeiçoamentos para olhar apenas um: o "melhoramento de plantas".
Velho de muitos séculos, só com o aparecimento da genética mendeliana se fortaleceu e tomou foros de ciência poderosa. O que ele conseguiu todos nós conhecemos, pelo menos nas suas linhas gerais.
Mas, além do facto natural de quem trabalha gostar de saber com precisão os benefícios resultantes desse trabalho, parece-me do maior interesse, não só para a Estação de Melhoramento de Plantas, como também para o País, o conhecimento exacto do que isso, em relação a nós, significa.
Se conhecêssemos, definido em números tanto quanto possível exactos, o acréscimo de produção - no final transformado em escudos - ano após ano, em resultado das linhas introduzidas na lavoura pela Estação de Melhoramento de Plantas, isso traria incontestáveis vantagens.
Não há que discutir aqui o papel e a necessidade das estatísticas. Estão patentes diante de todos e, como tal, os valores que a elas se adicionariam com o conhecimento acima apontado, justificariam, só por si, a sua conveniência.
Para o próprio trabalho da Estação, um conhecimento pormenorizado da expansão que cada uma das suas linhas vai tomando na cultura, é de primacial interesse.
Finalmente, porque temos a felicidade de trabalhar num ramo da ciência em que os benefícios utilizáveis são imediatos, o conhecimento exacto do aumento de produção obtido como consequência do trabalho de melhoramento, dar-nos-ia uma força extraordinária para exigirmos os meios de trabalho de que necessitamos, não só junto dos altos dirigentes, mas até junto das massas populacionais, nomeadamente junto da lavoura.
Desde que tivéssemos elementos concretos para mostrar o que o país tinha ganho com o que despendeu aqui, para lhe mostrar qual o juro exacto que tinha colhido da acção da Estação de Melhoramento de Plantas, considerada esta como uma inversão de capital - que, no fundo, é - a compreensão da existência deste organismo seria extraordinariamente maior e as facilidades que lhe seriam dispensadas aumentariam inevitavelmente. E isto, quando a Estação vai no princípio do longo e frutuoso caminho que tem a percorrer, é de valor inestimável.
Por estas razões e porque não há nos diferentes departamentos da Estação um a quem incumba essa função, parece-me necessário criar-se um "Gabinete de Estudos Económicos", não subordinado a nenhum departamento e, como os actuais, dependendo directamente do Director da Estação de Melhoramento de Plantas.
O pessoal desse Gabinete de Estudos Económicos seria, de início, constituído por um Engenheiro Agrónomo e, possivelmente, por um auxiliar. Mais tarde, se se reconhecesse necessário ou conveniente, seria aumentado, como tem sucedido a todos os departamentos da Estação, com mais engenheiros agrónomos, regentes agrícolas e auxiliares. A especialização a exigir ao engenheiro agrónomo Chefe do Gabinete de Estudos Económicos seria aquela que é necessária para a realização de inquéritos económicos. Tendo-se realizado um bom número deles, recentemente, em Portugal (entre os quais esse valioso trabalho sobre o custo da produção de trigo), não deve ser difícil encontrar a pessoa conveniente para esse lugar.
A actividade do Gabinete de Estudos Económicos constaria da elaboração, por inquérito anual, do mapa das áreas cultivadas com as linhas produzidas pela Estação de Melhoramento de Plantas e a avaliação, tanto quanto possível exacta, do aumento de produção daí resultante, quando em confronto com a cultura típica regional. Esse aumento de produção viria expresso em quantitativo dos produtos agrícolas e em valor em escudos. Nalguns casos especiais seria conveniente indicar os benefícios de segunda ordem, como possibilidade de alimentar maior número de cabeças de gado por hectare, novas possibilidades de ocupação de mão de obra, benefícios qualitativos de qualquer ordem, etc.
Após o seu primeiro ano de trabalho ou logo que isso lhe fosse possível, seria publicado o relatório referente ao período que vai desde o dia em que a Estação de Melhoramento de Plantas forneceu as primeiras sementes à lavoura, até à data da elaboração desse relatório. No futuro - e salvo qualquer alteração, que não é de prever neste momento - a publicação desse relatório seria anual. A publicação desses relatórios estaria perfeitamente bem na revista "Melhoramento".
Para o seu trabalho normal o Gabinete de Estudos Económicos pediria elementos, não só, dentro da Estação, aos outros departamentos - especialmente ao Departamento de Adaptação e Multiplicações - mas também às Brigadas Técnicas e a outros organismos que estão em condições de lhos poderem facultar. Bem entendido, que a maior parte do trabalho não poderia deixar de ser feita por inquérito directo.
Elvas, 29 de Janeiro de 1952
Miguel Eugénio Galvão de Melo e Mota
Engenheiro Agrónomo
Publicado no “Linhas de Elvas” de 18 de Agosto de 2000