Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

A bem da Nação

CATURRICES - 26

 

Detalhes - II

 

Se a Caturrice anterior foi convincente q. b., algumas favas podem começar a ser contadas desde já:

 

-  O combate ao deficit orçamental visa, simultaneamente, equilibrar as contas públicas (para reduzir as necessidades de financiamento do Estado) e reconfigurar a procura interna (contraindo-a, como é inevitável quando a capacidade de endividamento se esfuma).

 

-  Para conferir maior solidez à Banca há que agir, simultaneamente, sobre os seus Capitais Próprios, aumentando-os (bom seria em € 12 mM, ou mesmo um pouco mais - mas onde encontrá-los se não no pacote financeiro da troika?), e sobre os seus Balanços, encolhendo-os. Consequentemente, a procura interna vai ter que entrar em compita com o SBT e o Sector Estatal por disponibilidades de crédito bancário também elas em quebra - e, por certo, menores que os empréstimos que forem sendo reembolsados.

 

NOTA: Não teria de ser fatalmente assim. Mas, por cá, preferimos sempre a intermediação dos Bancos ao livre funcionamento de mercados financeiros bem organizados e bem regulados. É mais uma factura que vamos ter de pagar.

 

-  O futuro do SBnT é, assim, bastante previsível. Incerteza, incerteza, só quanto a saber até que ponto o pacote financeiro da troika poderá, e conseguirá, retardar a contracção da procura interna – concedendo ao SBnT alguns anos mas para se ajustar.

 

-  Enfim, a sorte, quer do PIB, quer do desemprego, vai depender, em larguíssima medida, da evolução do SBT – o que é dizer: do “IDE que cria empresas”.

 

Tudo isto (PIB, procura interna, SBT, SBnT, desemprego) se passa na esfera real da economia. E, então, a esfera nominal da economia, estruturada em torno da criação, distribuição, transmissão (por via contratual e não contratual) e extinção da liquidez?

 

Vê-se melhor partindo do outro extremo: como seria se ainda dispuséssemos de moeda própria e pudéssemos mexer na taxa de câmbio? Nesse cenário, a medida primeira teria sido, sem dúvida: desvalorizar (por aí começam todos os programas de reequilíbrio “macro” que o FMI tutela).

 

E todas as restantes medidas, fossem elas quais fossem (controlo apertado dos movimentos transfronteiriços de capitais e das importações de bens e serviços, etc.), girariam em torno da desvalorização cambial - que é a maneira mais rápida, e mais democrática, de reduzir o rendimento real (o poder de compra) e, consequentemente, a procura interna: num primeiro momento, atinge todos por igual (ainda que, com o passar do tempo, a distribuição do rendimento registe enorme variabilidade: uns, aproveitam-na bem; outros, assim-assim; outros, ainda, são por ela duramente penalizados).

 

Surpreenderia se essa desvalorização cambial - ao reduzir instantaneamente o valor em moeda estrangeira dos custos locais de produção (e, em especial, os Custos Unitários do Trabalho) - não estimulasse, de imediato, o SBT. Daí se dizer que desvalorizar é, de facto, uma maneira simples e expedita de pôr a procura interna a subsidiar as exportações.

 

v  Mas não era fatal que todas as componentes da procura interna se contraíssem por igual. Assim aconteceria inevitavelmente com a componente alimentada por bens e serviços importados, como é bem de ver. Mas as restantes componentes poderiam registar uma contracção mais ligeira - ou, mesmo, expandir-se, se o Governo recorresse ao BdP (leia-se: ao financiamento monetário da Dívida Pública) para suprir a quebra nas receitas fiscais.

 

NOTA: Foi o que aconteceu durante a 2ª Carta FMI (1983-85), quando a liquidez do sistema bancário (isto é, o total das Reservas que os Bancos detinham junto do BdP) mais que quintuplicou no curto espaço de 18 meses, porque o Governo de então ia cobrindo os desequilíbrios no exercício orçamental com o dinheiro que pedia emprestado ao BdP. Mais tarde, com o fim das restrições ao crédito bancário, o BdP teve de lançar um empréstimo (que os Bancos foram forçados a tomar) para absorver toda essa liquidez, antes que ela provocasse uma “bolha de dívida” e pusesse a inflação fora de controlo.

 

Em todo o caso, a inflação seria sempre a outra face destas medidas compensatórias, de natureza orçamental, destinadas a atenuar os efeitos da desvalorização cambial sobre o rendimento – o que é dizer, sobre a procura interna e, por arrastamento, sobre o SBnT e o desemprego.

 

E se a inflação diluía os estímulos que o SBT havia recebido por via da desvalorização cambial, diluiria também o peso do serviço da dívida denominada em moeda nacional no rendimento corrente. Dito de outro modo: o mesmo serviço da dívida iria deixando, dia após dia, mais rendimento disponível para gastar - isto se a economia não caísse em recessão.

 

Resumindo: é a conjugação do controlo sobre os movimentos transfronteiriços de bens, serviços e capitais, com o financiamento monetário (isto é, pelo Banco Central) da Despesa Pública - e não tanto a desvalorização cambial - que:

(1) sustenta a actividade no SBnT (já sem boa parte dos bens e serviços importados que distribuía internamente);

(2) impede que o PIB registe uma queda ainda mais acentuada;
(3) induz um processo inflacionista que vai tornar as dívidas (pública e privada) mais suportáveis (desde que o PIB não recue);

(4) permite manter níveis elevados de liquidez interna, sobretudo no SBnT - e, dessa forma, evita a desagregação do tecido económico em actividades prósperas (o SBT) e actividades decrépitas (o SBnT).

 

E tudo acabará bem:

(1) se a inflação não fugir ao controlo;
(2) se os Bancos tiverem Capitais Próprios suficientes para absorver o crédito malparado e outras perdas patrimoniais que os processos de ajustamento “macro” fazem sempre disparar;

(3) se o SBnT dispuser de liquidez suficiente para se adaptar às novas realidades (por exemplo, substituindo importações). E, já agora, se não houver entraves (legais e/ou psicológicos) à mobilidade sectorial e geográfica da população activa (mas estes são outros contos).

 

Ora, o programa da troika:

(1) não reformula nem suspende as obrigações de Portugal enquanto membro de uma União Económica;

(2) não esclarece como se processará o ajustamento “macro” quando a desvalorização cambial está fora de questão e os movimentos transfronteiriços de bens, serviços e capitais permanecem totalmente liberalizados;

(3) para lá de umas referências breves à recapitalização da Banca e ao prometido pacote financeiro, nada diz sobre o que prevê para a liquidez geral da economia.

 

Nele, é como se toda a liquidez de que a economia portuguesa carece de ora em diante fosse aquela, e só aquela, que a BTC e o serviço da Dívida Externa exigirem. E tudo o que ficamos a saber é que:

(1) nada de desvalorizar a que é, agora, a nossa moeda nacional (o euro);

(2) nada de introduzir controlos sobre a importação de bens e serviços e a exportação de capitais;

(3) nada de recorrer ao financiamento monetário da Dívida Pública (ressalvada a boa vontade do BCE) para ir provendo a economia (e, em especial, o SBnT) com liquidez suficiente;
(4) nada de contar com a inflação para amenizar o serviço da dívida (a inflação que nos valeria, neste momento, seria a da Zona Euro - não, a doméstica).

 

Deste modo, nada suavizará o efeito conjugado do desendividamento interno e das medidas que o programa da troika impõe sobre a procura interna – inclusive, aquelas componentes que deixam intacta a BTC e que têm necessidades de liquidez muito próprias.

 

E o SBnT, moldado como foi nos últimos dez anos pelo endividamento fácil, mergulhará, muito provavelmente, numa crise de liquidez - arrastando com ele o PIB e o desemprego.

 

v Concluindo: se a nossa maior esperança reside no SBT e no “IDE que cria empresas” (daí a apreciável vantagem que a Irlanda tem sobre nós), será o SBnT a empurrar-nos para a renegociação parcial da Dívida Externa (como na Grécia).

 

v  Quem diria que este pequeno detalhe que é esquecer a liquidez endógena (aquela que nada tem a ver directamente com “Euros Externos”) nos reserva tantas surpresas?

 

(FIM)

 

 A. PALHINHA MACHADO

 

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2006
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D
  261. 2005
  262. J
  263. F
  264. M
  265. A
  266. M
  267. J
  268. J
  269. A
  270. S
  271. O
  272. N
  273. D
  274. 2004
  275. J
  276. F
  277. M
  278. A
  279. M
  280. J
  281. J
  282. A
  283. S
  284. O
  285. N
  286. D