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A bem da Nação

CATURRICES - 25

 

Detalhes - I

 

 

Uf! Finalmente um programa (o da troika) comme il faut: disciplina orçamental férrea, a Banca com a rédea curta (ou mais capital, ou mais modéstia) e reformas estruturais que, desta vez, é que são mesmo para levar por diante.

 

Um roteiro que, diz-se à boca cheia, nos levará a porto seguro. É certo que por mares tormentosos. Mas, vejam, está lá tudo! Haja vontade e empenho, que não nos perderemos.

 

Correcto? Não tanto, Leitor, porque...não está lá tudo. Não está lá a grande esquecida dos teóricos: a liquidez (melhor dizendo, o volume e a distribuição da liquidez no decurso de uma viagem há muito inevitável). Um detalhe que fará toda a diferença, como tentarei explicar a seu tempo.

 

Começando pelo princípio. Nos primeiros quinze anos da nossa aventura europeia, os Quadros Comunitários de Apoio financiavam, e justificavam, os persistentes desequilíbrios da Balança de Transacções Correntes (BTC). E a liquidez era como o maná: criaturas angelicais espargiam-na generosamente sobre as nossas pobres, mas ávidas cabeças.

 

com o euro: (1) endividava-se o Estado lá fora para gastar, com liberalidade, cá dentro (em remunerações, serviços de toda a espécie, equipamentos e infra-estruturas – despesa que empolava a procura interna, mas pouco contribuía para a qualidade da oferta nacional); (2) endividavam-se os Bancos lá fora para emprestarem, com não menor liberalidade, cá dentro; (3) pedia-se emprestado cá dentro para comprar no exterior, despreocupadamente, bens e serviços variados. A liquidez, essa, com tanta dívida, afluía que dava gosto.

 

Por muito que custe aos teóricos da dismal science (em vernáculo: a economia) e aos adeptos do Pacto de Estabilidade e Crescimento, não eram os deficits orçamentais que lançavam luz sobre o rumo que levávamos. Eram, sim, os deficits da BTC, a que ninguém parecia dar grande importância. Nesse tempo, quem sabia acreditava piamente em que, no âmbito de uma união monetária, “tudo se financiava”.

 

Talvez. Até ao dia de começar a pagar (nem árvores, nem cotações, nem dívidas crescem até aos céus que fazem chover maná). Ei-lo! É chegado o dia. Como pagar, então?

 

Em termos de simples contabilidade nacional, é certo e sabido que a procura interna vai contrair-se (tal como a troika quer no imediato), porque: (1) aquela parcela que, dia após dia, era paga com mais dívida levará sumiço; (2) vão desaparecer também as despesas públicas financiadas por impostos indirectos sobre comércios que só o endividamento externo tornava possíveis; (3) haverá que desviar para os juros da Dívida Pública uma parte do rendimento que se gastava, até agora, em importações de bens e serviços; (4) enfim, há que poupar o suficiente para ir amortizando a dívida em excesso (abater à Dívida Pública externa o equivalente a 60% do PIB 2010, e pelo menos outro tanto à dívida externa dos Bancos).

 

Para quem pensa que, na economia, os números são todos iguais, a solução está à vista: basta produzir e não gastar um cêntimo que seja durante os próximos 15-17 meses (cerca de 120% do PIB 2010, mais uns trocos, que os juros ao exterior têm de ser pagos também) para as contas ficarem, de vez, certinhas – e nós voltarmos a pôr o pé em terra firme.

 

O diabo está, uma vez mais, nos detalhes (mesmo se o PIB aguentar os solavancos da viagem): hoje por hoje, só 1/3 do que produzimos encontra comprador lá fora, pelo que não deveremos falar de 15-17 meses, mas de 4-5 anos (isto, com as importações de bens e serviços a zeros).

 

E para não ficarmos pelo caminho, algo teremos sempre que comprar à estranja: alimentos, energia, medicamentos, um ou outro serviço inadiável - mais as matérias-primas e os produtos intermédios que importamos para incorporar nas nossas exportações.

 

Contas feitas, com a actual capacidade exportadora, teremos para aí 40 anos, ou mais, de viagem atribulada pela frente. É bíblico! Não há melhor prova de que somos, na verdade, um povo escolhido.

 

Para encurtar a viagem, só três soluções contam: (1) um súbito interesse dos estrangeiros por bens e serviços que, até à data, só têm tido clientes em Portugal; (2) reorientar para a produção de bens e serviços exportáveis uma boa parte da actividade económica que tem vivido exclusivamente da, e para a procura interna (o Sector de Bens não Transaccionáveis: SBnT); (3) a entrada de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) em catadupa.

 

Não, Leitor, o pacote financeiro do FMI e da UE não conta para este efeito. Limita-se a trocar dívida por dívida. Com a agravante de substituir credores que, em processo de renegociação, seriam credores comuns (do Estado e dos Bancos) por credores com privilégios absolutos e inegociáveis sobre todos nós, contribuintes.

 

Confiar em que, de um momento para o outro, bens e serviços aqui produzidos vão revelar insuspeitadas capacidades exportadoras, em volumes que se façam notar nas estatísticas, parece-me pouco sensato. Não é que tal não possa acontecer. Claro que pode. Mas serão sempre casos pontuais, por certo muito estimáveis, mas com contributo insignificante para o reequilíbrio da BTC.

 

“Para o Sector de Bens Transaccionáveis (SBT), rápido e em força” – é, talvez, o sound byte mais ouvido nos dias que correm. Se, por obra e graça das exportações, e de alguma moderação nas importações, a BTC passasse a exibir excedentes da ordem dos 5%-8% do PIB 2010 (e seria obra), a viagem encurtaria: duraria então só 15 a 20 anos.

 

E já só se perderiam duas gerações: a actual (que, mesmo assim, teve a oportunidade de faire la grand vie antes de a Dívida Externa descambar) e a que entra agora no mercado do trabalho (levada à força para uma viagem que não quer nem merece).

 

Mas, tudo somado, o SBT teria de passar do actual 1/3 para, pelo menos, 50% do PIB 2010. Quer o destino que não seja só descobrir o que começar a produzir para exportar. É também: (1) ter qualidade e preços capazes de competir nos nossos tradicionais mercados de exportação; (2) encontrar novos mercados que paguem a tempo e horas o que lhes vendermos; (3) criar empresas com dinâmica suficiente para se lançarem com ganho na aventura que é vender nos mercados externos; (4) conseguir reunir o capital necessário para que as novas empresas não nasçam já carregadas de dívidas; (5) e, acima de tudo, dar trabalho a mais 15%, se tanto, da população activa (o SBT é bastante capital intensivo).

 

Tudo isto em 3 anos - vá lá, 4 anos? Tenho de ver para acreditar. E convém não esquecer a população hoje desempregada (12.6%), mais todos aqueles que a rápida contracção da procura interna e o consequente “emagrecimento” do SBnT (quanto a isto não há alternativa) vão lançar no desemprego (por alto, outros 20%).

 

Resta o IDE. Por via das privatizações pouco ou nada contribuirá para a criação de emprego e para a expansão do SBT. Mas sempre ajudará a financiar os deficits que a BTC vai ter de registar ainda nos próximos tempos (não é de um dia para o outro que se passa de deficits a rondarem 10% do PIB para superavits acima de 5%).

 

O IDE que estabeleça entre nós novas empresas orientadas para os mercados externos é o mais desejável: (1) ajuda a financiar a BTC; (2) supre a descapitalização do país; (3) expande o SBT; (4) e cria empregos. Venha ele (eis a grande aposta da troika) – e, por isso, exigem-se mudanças que tornem o contexto apetecível aos investidores vindos de fora.

 

E se Paris valia bem uma missa, o IDE que trouxer até nós empresas destas valerá, sei lá, que abjuremos as sacrossantas teorias dos direitos adquiridos à revelia de qualquer relação contratual livre e consciente? Ou as burocracias que se auto-justificam? Ou os corporativismos medievais de roupagem progressista? Ou os legisladores bacocos?

 

(cont.)

 

PS: Os valores aqui referidos são simples ordens de grandeza que têm por único propósito ajudar a ver claro o que está verdadeiramente em causa.

  A. PALHINHA MACHADO

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