DO ALTO DA LADEIRA DA MINHA INFÂNCIA
Sozinha, seguindo o trajecto das minhas memórias, subi lentamente a ladeira, ainda calçada com as pedras da minha infância. O som das pegadas era o mesmo que as outras gerações haviam ouvido igualmente: cadente e abafado, lembrando que estavam ali para todo o sempre.
Depois de tantos anos de ausência, voltar àquele sítio era como voltar a um tempo passado, agora silencioso, onde as pessoas que ali pela mão me levaram não mais existiam. Era como ver um palco iluminado, porém sem actores, mas que ainda assim me emocionava só de ser visto.
Vez por outra um carro passava, obrigando-me a escolher a calçada estreita, em certos pontos, quase inexistente. O meio-fio, em vala, de cimento, tinha como função drenar as águas que a natureza despejava.
Na subida íngreme, quando o fôlego faltava, parava por uns instantes para respirar normalmente. Mas ao chegar ao alto da ladeira, a visão da paisagem da Horta debruçada sobre a baía, o porto e o imponente Pico à frente, fez todo o esforço valer a pena. Ao redor redescobria o portal do Colégio Santo António, onde aprendi as primeiras letras, a casa do leão, onde vivi a minha infância, a canadinha que hoje é uma estrada, o muro em pedra escura, a rua do Cemitério... Lá em cima da ladeira, no Alto da Boa Vista, nos dias de sol, a visão é deslumbrante. Emergindo do mar, como um gigante negro em forma de montanha, quase sempre coberto com um chapéu de largas abas brancas, rendado pela Madalena... o Pico reina. Céu e mar disputam qual deles tem o azul mais bonito e brilhante. As casas de janelas verdes, caiadas de puro branco, com seus telhados de argila avermelhada, a Torre do Relógio, pontiaguda, solitária no meio de um Jardim, verdes pinheiros gigantes, azuis hortênsias. No mar, a marina plena de embarcações aventureiras, coloridas, tudo me fez sentir tão pequena, tão insignificante, perante tanta beleza. Sentei-me numa mureta que contornava o caminho. E fiquei ali, parada, quieta, cismada, sentindo a brisa do mar, respirando devagar, até que tudo desapareceu de minha cabeça, e eu diluída na natureza, sumi, como se só ela existisse naquele lugar, naquele momento. Voltei à realidade com o barulho que um grupo de jovens turistas fazia ao incursionar pelas estradas da ilha. Despertada, voltei ao Hotel, no centro da cidade. O tempo urgia e ainda não havia arrumado as malas. Na manhã seguinte peguei o avião para casa, do lado de lá do mar oceano, para onde o destino me levou ainda criança um dia.
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 04/04/2011
Fotos: Arquivo pessoal