TEATRO RÁPIDO
(*)
Truz, truz – batem à porta.
Vem um Senhor muito empertigado abrir mas logo diz, peremptório: - Tenha paciência! - e fecha a porta.
Truz, truz – batem novamente à porta.
Regressa o empertigado e afirma: - Já lhe disse que tivesse paciência; não damos esmolas.
Mas antes de ter tempo de fechar a porta, vem lá de fora a voz do forasteiro: - Mas, meu Senhor, eu não venho pedir esmola. Eu venho pedir-lhe um empréstimo, já que o Senhor é o chefe de um país tão rico como este.
- E quem é Você? - pergunta o empertigado.
- Eu sou o chefe de um país muito pobre mas quero fazer umas obras para deixar de ser tão pobre.
- E que obras quer Você fazer?
- Quero construir um caminho-de-ferro para trazer os minérios do interior do meu país para a costa, quero construir um porto para poder embarcar esses minérios e quero comprar uns navios para fazer o transporte até aqui ao seu país tão rico.
- Ah! Muito interessante esse seu projecto. Mas é claro que lhe empresto o dinheiro todo de que Você vai precisar e até lhe arranjo os construtores do caminho-de-ferro, do porto, dos comboios e dos navios. E é claro que também lhe posso sugerir uma ou outra empresa mineira que lhe poderá prestar o serviço de extracção desse minério todo.
- Ah! É muito gentil da sua parte.
Acertado o montante de 100 mil milhões e assinados os contratos de empréstimo e de fornecimento do caminho-de-ferro, do porto, dos comboios e dos navios, logo o chefe do país muito rico se prontificou para pagar aos fornecedores do caminho-de-ferro, do porto, dos comboios e dos navios à medida que eles fossem cumprindo os respectivos contratos. E assim foi que o chefe do país muito pobre se viu livre de todo esse trabalho tão burocrático e tão maçador. Mas nem sequer viu a cor do dinheiro uma vez que este nem sequer chegou a sair do país muito rico passando directamente dos cofres do seu chefe para os dos fornecedores do caminho-de-ferro, do porto, dos comboios e dos navios.
Cumpridos os contratos de fornecimento, logo o chefe do país muito rico telefonou ao chefe do país muito pobre a perguntar se estava satisfeito com o caminho-de-ferro, com o porto, com os comboios, com os navios e com a empresa que iria extrair o minério. Ao que o chefe do país muito pobre lhe respondeu que sim mas...
- Mas quê? – perguntou um pouco ansiosamente o chefe do país muito rico.
- É que nós não temos ninguém que organize a circulação dos comboios, faça a manutenção da via-férrea, organize o funcionamento do porto que ainda não tem guindastes e quem ponha os navios a navegar.
- Ah! O meu caro amigo não se preocupe com isso que eu lhe arranjo todos esses técnicos e quem lhe forneça os guindastes. Só há um pequeno problema.
- Sim, qual? – agora foi a vez do chefe do país muito pobre a ficar ansioso...
- É que essa gente é cara: não vai para fora sem ganhar muito mais do que o que lhe pagamos cá. E vamos também ter que reforçar a linha de crédito por causa desses guindastes em que não pensámos logo no princípio da nossa conversa.
- Ah! Pois é. E quanto acha que vai ser preciso mais?
- Bem, até que a mina se comece a pagar a si própria, devem ser precisos aí mais uns 20 mil milhões...
- Seja, então. Que remédio...?
E assim ficou o país pobre a dever 120 mil milhões sem sequer lhes ver a cor. Mas, há que reconhecê-lo, tudo começou a funcionar até que...
- Trrriiimm, trrriiimm – toca o telefone do chefe do país muito pobre.
- Então como estão as coisas a correr? – pergunta o chefe do país muito rico.
- Ah! Que surpresa tão agradável receber uma chamada sua! – responde o chefe do país muito pobre, surpreso pelo telefonema do chefe do país muito rico. – As coisas estão a correr muito bem. Já começámos a exportar o nosso minério e estamos à espera do primeiro pagamento.
- À espera de quê?
- Do pagamento da primeira remessa de minério.
- Ah! Eu julgava que Você sabia que esse dinheiro já foi pago mas que nós ficámos cá com ele para amortizar os juros do empréstimo.
- Juros? Quais juros?
- Os juros da dívida que Você tem para connosco.
- Mas nós nunca falámos sobre isso...
- Você não perguntou e eu julguei que não quisesse saber. Mas é claro que todo o empréstimo vence juros.
- Então quando é que nós vamos começar a receber algum dinheiro?
- Quando tiverem pago toda a dívida e respectivos juros.
- E quando é isso?
- Olhe: será tão mais rápido quanto mais minério recebermos.
- E será que a mina tem minério suficiente para pagar tudo isso?
- Ah! Isso é coisa que não lhe sei responder. Julguei que Você soubesse.
- Mas como é que eu haveria de saber se quem fez as sondagens foram os vossos técnicos?
- E então eles não vos disseram nada?
- Não. Nós nada sabemos quanto aos resultados dessas sondagens.
- Mas esses técnicos estão a ser pagos com o dinheiro que vocês nos pediram emprestado. Eles deviam ter-vos dito alguma coisa.
- Mas não disseram nada. E se as reservas não são suficientes para podermos pagar a dívida?
- Vão ter que arranjar outra fonte de rendimentos para nos pagarem o que nos devem e entretanto vão contando com os juros sobre o que estiver em dívida.
- Mas...
- É assim!
- Então nós vivíamos pobremente mas não devíamos nada a ninguém e agora continuamos pobres mas carregados de dívidas.
- Foi Você que veio ter comigo a pedir um financiamento.
- Isso significa que devíamos ter tentado crescer apenas com base na nossa poupança interna.
- Nunca iriam chegar a qualquer lado.
- Mais valia termos seguido lentamente em frente do que bruscamente para o fundo.
- Deram um passo maior do que a vossa perna.
- Então o que deveríamos ter feito?
- Ah! Isso, eu não sei. Apenas sei que nós começámos há muitos anos por educar e formar a nossa gente e foi essa gente que nos fez subir até ao nível em que hoje nos encontramos.
- E como se ensina as pessoas a enganar os outros? Na Escola dos Gatunos?
- Se quiser...
Cai rapidamente o pano da cena do Teatro do Terceiro Mundo.
Lisboa, Maio de 2011
Henrique Salles da Fonseca