Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

A bem da Nação

ANATÓLIA – 3

 

Cidadão de país com um modelo de desenvolvimento comprovadamente caduco, a minha admiração foi total com o que vi ao longo dos cerca de mil quilómetros que percorremos entre Antália – capital da «Riviera» turca – e lonjuras tais como Kusadasi e Izmir, ribeirinhas do Egeu. E como andámos para lá e para cá à procura de teatros e mais teatros tanto gregos como romanos percorrendo auto-estradas e outros caminhos mais próprios de funâmbulos, tenho a certeza de que vi de tudo e não apenas o que a propaganda nos quereria mostrar.

 

 

O meu amigo «Pepe» Damas Mora e eu frente à Biblioteca de Efesos

 

Mas também sei o que não vi: miséria, bairros de lata, pedintes, gandulos, florestas ardidas, campos abandonados ou graffitis. Nada disso vi e se o não vi pelos sítios que cruzei, é porque não há disso na Turquia.

 

O que mais me espantou foi a pujança da economia agrícola com os terrenos aproveitados até aos limites do razoável. Se ao longo de vales férteis, de aluvião, a estrada se desviava ligeiramente do sopé das montanhas periféricas, o terreno entre a estrada e as primeiras pedras da encosta estava sempre agricultado. Sem exagero, posso dizer que não vi um metro quadrado de terreno agrícola por cultivar.

Para um português atento a esse tipo de situações no seu próprio país, dá que pensar. E é claro como a água limpa que quando entramos numa cidade ao longo dessas estradas, pululam as empresas industriais e comerciais de apoio à actividade agrícola. Para quem não acredita no velho princípio de que a agricultura é a mãe dos outros Sectores económicos (indústria e serviços), vá de passeio à Anatólia e deixe-se de outras ideias, as peregrinas que nos atiraram para o actual buraco.

 

O resultado não espanta: a Turquia tem uma Balança Alimentar largamente superavitária, uma Balança Comercial positiva (tem que importar petróleo) e uma Balança de Transacções Correntes igualmente positiva pois, lembremo-nos, ainda há muitos turcos emigrados cujas remessas assumem uma grande importância. Tomando em conta uma política monetária algo contida, duas Liras Turcas valem um Euro. Ou seja, a Turquia é um país de moeda relativamente séria.

 

Outra coisa que me espantou: a raridade de lenços nas cabeças femininas.

 

Das estatísticas oficiais extraiu o nosso guia, o Senhor Ata, que a população turca ronda actualmente os 75 milhões de pessoas, das quais cerca de 25 milhões são da etnia curda. Cerca de 6,5 milhões (8,7% da população total) vão semanalmente à mesquita e 2,5 milhões (3,3%) fazem-no diariamente. O Ramadão é, contudo, seguido pela generalidade da população que não come nem bebe enquanto o Sol se encontra acima do horizonte. Fora disso, bebem álcool como qualquer europeu e o vinho tinto tem mesmo uma qualidade aceitável. Mas o Senhor Ata, culto e totalmente ocidentalizado, ao ser perguntado por alguém lá nos bancos traseiros da camioneta, não sabia como se decide a data de início do Ramadão. Respondeu que, sendo lunar o calendário árabe e solar o turco, há sempre alguns dias de diferença entre o início do Ramadão no mundo árabe e na Turquia. Segredei-lhe o critério de determinação da data de início para que investigasse da veracidade e usasse futuramente se assim lhe aprouvesse: quando dois clérigos em Meca confirmam que viram a Lua Nova.

 

Não há dúvida, a Fé tem muita força!

 

Quando estávamos à espera que o fim-de-semana turco fosse à 6ª feira como nos outros países maioritariamente muçulmanos, ficámos a saber que desde a implantação da República em 1923, os turcos descansam ao Sábado e ao Domingo.

 

Apesar da relativamente fraca influência da religião muçulmana na população, a paisagem exibe a presença de mesquitas em todas as aldeias, vilas e cidades. Curiosidade: os minaretes são todos iguais (apenas varia a decoração exterior) pelo que admito serem produzidos em série. Perguntei – mas não obtive resposta – se não seria pela justaposição de grandes manilhas em cimento. O remate superior, em bico, é também modelo único.

 

Mas a cena política turca está especialmente activa com o Partido no Governo a promover a islamização e com o Partido herdeiro de Atatürk (laicizante) na oposição. Os ocidentalizados (muçulmanos, de outras confissões ou agnósticos) estão nervosos com aquilo que consideram a demagogia do actual primeiro-ministro e depositam uma confiança final no Exército. Reconheçamos que na perspectiva democrática, há outros horizontes mais límpidos...

 

Lisboa, Maio de 2011

 

Henrique Salles da Fonseca

2 comentários

Comentar post

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2016
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2015
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2014
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2013
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2012
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2011
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2010
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2009
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2008
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2007
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2006
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2005
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2004
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D