Curtinhas LXXXVIII
(*)
A NECESSIDADE É A MÃE DO ENGENHO
v Uma excelente maneira de reflectir sobre a triste situação em que nos encontramos (e não me refiro à falta de dinheiro que, milagre dos milagres, aí está só porque Sócrates foi desfeiteado, nem aos actores políticos com que o destino nos brindou, nem aos comentadores que medram como azedas depois da chuvada, nem...) é admitir, a bem do discurso, que, por uma vez, Louçã e os seus próceres, mais Jerónimo e a sua união sindical, levam a deles à vante.
v Sem mais rodeios, o “bom povo português”, assustado com o futuro que o espera, vota em massa nos partidos de além-esquerda (vá lá, Leitor, pode acrescentar a ala obreirista do PS para que o ramalhete fique mais composto) - que sobem, impantes e prenhes de ideias, os degraus da governação.
v Resultado previsível (se a dura realidade não fizer, entretanto, o turn around das suas duras cabecinhas):
- O FMI faz as malas e vai prégar para outra freguesia;
- A Comissão Europeia encomenda uns esconjuros e manda fumigar as cadeiras onde os nossos lídimos representantes habitualmente se sentavam (não vá a moléstia por lá ter ficado);
- O BCE pega na borracha e apaga o dinheiro que emprestou aos nossos estupendos Bancos que, tendo sido durante anos a inveja da Europa, não sabem agora o que fazer à sua vidinha;
- Acaba-se-nos de vez o dinheiro, e os vícios (entre os quais a persistência genética das teses progressistas e do Estado Social) que os europeus poupados nos permitiam;
- E todos nós começamos a frequentar um curso intensivo, e intenso, sobre a economia nas sociedades modernas, pagando por isso umas propinas puxadotas.
v A primeira medida do novo e inovador governo será, aposto, decretar que cada semana terá o seu Dia de Trabalho para a Nação, ao som do Zeca. É claro que, ao decretá-lo, o Governo esquecerá:
- Que é um imposto mais da ordem dos 20%;
- Que é um imposto desigual, porque atinge só os que trabalham (corolário perverso, mas com a sua ponta de humor, da consigna “os ricos que paguem a crise”);
- Que desarticula ainda mais o funcionamento da economia portuguesa;
- Que talvez sirva para tornar Portugal mais limpo (valha-nos pelo menos isso) - mas que não contribuirá um cêntimo que seja, nem para atenuar a necrose de liquidez em que nos atascámos, nem para equilibrar os pratos do Orçamento.
v E esse será o primeiro case study do tal curso intensivo. Faço votos para que governo e economistas passem a prova com distinção. Teria sido dado um passo importante, a justificar bem as propinas todos pagámos até aí.
v A aflição seguinte dos nossos governantes será procurar bons exemplos por esse mundo fora. Aos mais cultos (por lerem livros e verem filmes) e aos mais viajados (por terem vilegiado, não direi em Myanmar ou na Coreia do Norte) virá talvez à ideia: os cigarros, moeda de troca nos campos de POW, os charutos, no Malecón, ou os Patacones (títulos de dívida transmissíveis por simples entrega) emitidos pelo Governo Federal da Argentina, e por muitas Províncias, entre 1998 e 2002.
v Boa! Dirá, então, quem nos governa. Essa dos Patacones é de mestre! Qual quê! De pós-doutorado! Vamos lá mas é emitir Belecas na nova unidade monetária acabadinha de criar: o Fracturante Português. Retomar o antigo Escudo Português (PTE) cheiraria a reaccionário. E a UE era capaz de não achar muita graça. Fracturante (FPT) é que é - tem boa onda.
v E é possível? Perguntará o governante que hesita sempre (há sempre um ministro hesitante em cada governo, às vezes ele é o PM, porque haveria este de ser a excepção?). Então não é? Os Tratados só proíbem retornar à moeda antiga, mas nada dizem sobre emitir “notas de monopólio” e outras divisas inconvertíveis. Para mais, deixámos de ter o Eurostat à perna. Vamos a isso! E não é que vão?
v Para provar ao mundo que é moderno, bem aconselhado e sabe governar, o governo institui um regime monetário dual em que:
- Tudo tem o seu preço simultaneamente em € e em FPT;
- Os rendimentos em € pagam impostos com €; os rendimentos em FPT pagam impostos com Belecas;
- Empréstimos e depósitos seguem igual modelo, com taxas diferentes, naturalmente;
- A despesa pública é paga só com Belecas (os impostos cobrados em € são só para servir a Dívida Pública Externa e assegurar as importações de energia e bens alimentares);
- No mercado do trabalho, há empresas a pagar em € (muito disputadas e, portanto, a pagarem remunerações mais baixas a empregados contentes), outras só com Belecas (a pagarem remunerações com mais zeros a empregados muito descontentes, mas conformados, por terem, ao menos, trabalho), outras ainda a pagarem, parte em €, parte com Belecas (o que sempre lhes permite gerir melhor os custos e o ambiente de trabalho);
- No comércio local, reinam as Belecas;
- Bens importados (e férias na estranja) só para os afortunados que abicharem rendimentos em € (o que não será o caso de políticos e funcionários públicos, por uma vez solidários com o grosso da população).
v E assim se vão formando duas economias: uma, em redor das empresas e actividades que facturam regularmente em € (e noutras divisas convertíveis) e orientada para a procura externa; a outra, centrada na actividade orçamental do Estado e na procura interna.
v Com apreciáveis vantagens:
- Não se sai formalmente do €;
- Acaba-se por pagar a Dívida Externa (a Pública e a dos Bancos), os credores estrangeiros que tenham paciência, porque somos pobrezinhos, mas honestos;
- Os Custos Unitários do Trabalho alinham num ápice com a competitividade internacional, sem ser necessário mexer na legislação laboral (o que o governo nunca ousaria);
- A desvalorização do FPT sempre atrai IDE - pois as ineficiências na Justiça, a rigidez do mercado do trabalho e todos os restantes “direitos adquiridos” de que o governo se sente o Grande Guardião, reflectem-se de imediato na desvalorização do FPT;
- A despesa pública (incluindo funcionários, fornecedores e subsídios vários) pode ser paga a tempo e horas (seria só imprimir Belecas), para desafogo de tantas e tão martirizadas tesourarias;
- A cotação do FPT (e a aceitação das Belecas) não passa despercebida nem ao ministro mais distraído (e há sempre vários por governo, porque haveria este de ser a excepção?);
- O Orçamento encerra sempre equilibrado (uma preocupação a menos), dado que a desvalorização do FPT compensa automaticamente os efeitos de políticas mais mãos largas;
- Os portugueses, os que votam e os que não votam, sentem na pele, de imediato, os efeitos das promessas eleitorais - excelente terapêutica para as eleições seguintes;
- Com o rigor típico da além-esquerda, quem tentar o cambão, o cambalacho, o açambarcamento, a “especulação”em geral: Peniche, Caxias, Penamacor, Tarrafal (arrendada a Cabo Verde) com ele.
v Finalmente, únicos. Onde outros países “dollarizaram”, coisa banal, nós avançamos sem hesitar (hélàs! com a abstenção do tal ministro, porque nada é perfeito) para a Belequização total da economia!
v Pensando melhor, querem ver que ainda acabo a votar na além-esquerda?
Abril de 2011
A. Palhinha Machado