INVESTIGAÇÃO E EXTENSÃO...
... OS MAIORES "SUBSÍDIOS" QUE PODEM SER DADOS A QUALQUER AGRICULTURA*
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Os preços de muitos produtos agrícolas não resultam simplesmente do normal mecanismo da oferta e da procura. Em muitas regiões do globo e para variadíssimos produtos o preço é resultado dum complexo mecanismo de acordos, subsídios, direitos alfandegários e outras formas de intervenção.
Variados países ou grupos de países consideram importante proteger a sua agricultura, não só por ser um sector importante da sua economia, mas, também, pelo seu alto valor estratégico. Os Estados Unidos, onde a população agrícola se limita a uns meros 2% da população activa total, têm, desde sempre, dado uma elevada protecção à sua agricultura. A CEE muito cedo criou uma Política Agrícola Comum (PAC), o único sector em que, desde logo, funcionou de Mercado Comum, com a qual deixou de ser deficitária para a maior parte dos produtos agrícolas, para se tornar praticamente auto suficiente e excedentária em vários deles.
Para além do erro de não ter sabido graduar os preços para que os excedentes não atingissem grande volume e do facto de uma grande parte do dinheiro gasto não ter chegado aos agricultores, o principal defeito foi não ter promovido um efectivo aumento de eficiência, mas ter aumentado a produção quase exclusivamente à custa de preços altos.
Os custos de produção na agricultura dependem em parte das condições naturais (nomeadamente solo e clima) mas também muito da técnica utilizada, que tirará melhor ou pior partido dessas condições naturais. Isso é evidente quando se analizam os índices de produtividade, dum país ou duma região, com as mesmas condições naturais, ao longo dos anos, com a evolução da técnica utilizada.
Para umas dadas condições naturais, o custo de produção vai depender, portanto, da possibilidade de se trabalhar com maior ou menor eficiência em todos os passos a efectuar, desde a decisão do que se vai cultivar até à comercialização.
Na muito complexa actividade que é a agricultura, não há um único dos numerosos passos do processo que não admita melhorias. Desde a decisão de quais as espécies e variedades vegetais a cultivar e das espécies e raças de animais a criar, à mais adequada preparação do solo, à mais eficiente e mais económica fórmula de alimentação para os animais, às máquinas mais adequadas, ao pessoal bem treinado para as usar e manter da forma mais apropriada, até, em última análise, à melhor comercialização, o agricultor é obrigado a escolher tudo pelo melhor e no momento próprio. Qualquer erro cometido, qualquer demora anormal, qualquer interferência que não conseguiu prever ou remediar, tudo vai aumentar o custo e, consequentemente, reduzir a margem que lhe cabe entre este e o preço final de venda.
Para que tudo corra pelo melhor, é preciso que "exista" o conhecimento necessário. Ele só "aparece" como resultado duma intensa e ampla "investigação agronómica", desenvolvida ao longo de muitos anos, em instituições bem apetrechadas e servidas por investigadores de alto nível. E, ao contrário do que é possível fazer no campo da indústria ou da medicina, em que é normalmente muito fácil utilizar soluções que outros já descobriram, noutros locais do mundo, na agricultura, só em raros casos essa utilização é possível e, mesmo assim, só após ensaios que confirmem a sua validade para as nossas condições ambientais.
"Criado" esse conhecimento, nas instituições de investigação agronómica, torna-se necessário levá-lo até aos agricultores, transformando estes de forma a serem mais sabedores e a terem melhores elementos para decidir. Como se sabe, a tarefa dessa "transposição de conhecimento" cabe a um serviço de "extensão", nome que se generalizou a partir dos serviços criados com esse nome, nos Estados Unidos, em 1914.
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A diferença entre a agricultura dos países que têm estes dois serviços, "investigação" e "extensão" bem desenvolvidos e a daqueles onde eles são rudimentares é enorme. Estes últimos, por vezes, não se apercebem disso e atribuem a sua baixa produtividade à pobreza do solo e à irregularidade do clima. É fácil demonstrar a falta de razão dessa desculpa se compararmos a agricultura que têm hoje com a que os países mais desenvolvidos tinham há 10, há 20 ou há 50 anos, sempre com as mesmas condições naturais. Mesmo nos países de agricultura menos desenvolvida - e na Europa comunitária estão nesse caso Portugal e a Grécia - a produtividade da agricultura de hoje é superior à que tinham há 10, há 20 ou há 50 anos. Se, ao longo dessas décadas, tivessem caminhado mais e melhor no binómio "investigação e extensão", a sua posição não seria hoje tão precária.
A principal crítica que tenho dirigido à PAC - e, além de outras intervenções, já a fiz em carta pessoal enviada ao Presidente Jacques Dellors - foi não ter sabido investir em investigação e extensão uma pequena parcela dos biliões gastos pela PAC ao longo dos seus trinta anos de existência. O que se gastou nesses sectores foram quantias ínfimas e, se algumas pequenas melhorias conseguiram, ficaram muito aquém do que se poderia ter obtido, em ganhos de produtividade, se se investisse mais dinheiro em serviços onde há um grande potencial humano em parte subaproveitado. É provável, mesmo, que a parcela dos gastos da PAC que fosse investida na investigação e na extensão acabasse por ser reembolsada, pois ela faria baixar os custos de produção, permitindo reduzir os altos preços dos produtos. Talvez não estivessem interessados nisso aqueles que, não sendo agricultores, levam uma substancial fatia dos gastos da PAC.
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Os problemas dos subsídios e dos preços de protecção têm sido sempre objecto de polémica e objecções dos países que, por causa deles, não conseguem colocar noutros os seus produtos, cujo preço, em mercado livre, seria perfeitamente concorrencial. O cúmulo dessas objecções são as que se têm levantado no GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) onde alguns países, principalmente os Estados Unidos, atacam fortemente os subsídios ou preços proteccionistas da CE.
Acontece que, ao longo de muitas décadas, os Estados Unidos "deram" à sua agricultura - para além de várias medidas proteccionistas - o melhor subsídio que lhe podiam dar: uma excelente e de alto nível "investigação agronómica", assente no poderoso Agricultural Research Service (ARS), nas suas Agricultural Experiment Stations e em diferentes departamentos das universidades e uma eficientíssima "extensão", cobrindo todo o território em malha apertada e sempre em muito boa articulação com a "investigação".
Como resultado, a agricultura americana, apesar de pagar altos salários, consegue produzir a preços baixos, pela simples optimização de todos os vários passos da exploração agrícola. O nível de conhecimentos dos agricultores é alto e mantém-se em permanente actualização.
Considerando que esse nível de conhecimentos, que permite baixos custos de produção, equivale a um enorme "subsídio" ou a um alto preço proteccionista, parece indicada a solução, especialmente para os países, como Portugal que, com algumas raras excepções, "produzem pouco, mau e caro".
O valioso subsídio indirecto que é dado através das actividades de "investigação" e de "extensão" tem ainda o particular interesse de não levantar objecções. Ninguém, no GATT, que seja do meu conhecimento, alguma vez protestou contra o facto de os Estados Unidos "subsidiarem" a sua agricultura através dos resultados da sua "investigação" e que lhe são transmitidos pela "extensão".
Bom seria que o resto do mundo e particularmente os doze países da Comunidade Europeia aprendessem tão valiosa lição. O potencial existe e a Europa e muito particularmente Portugal podem baixar os seus custos de produção, melhorar o ambiente e evitar os grandes "stocks" de alguns produtos agrícolas simplesmente se quiserem desenvolver de forma substancial os seus serviços de "investigação" e de "extensão", para o que dispõem dum potencial subaproveitado.
Miguel Mota
* Comunicação à IV Semana de Extensão Rural
Évora, 27 a 30 de Abril de 1992
(Publicado, com o título Os maiores "subsídios" à Agricultura, na Gazeta das Aldeias, Ano 97º, Nº 2996, Julho de 1992)