A SORTE DE UNS…
…é o azar de outros.
Eu tenho a sorte de ser neto de Tomás da Fonseca, esse vulto da cultura portuguesa do séc. XX, que se dizia ateu.
(1877 - 1968)
E porquê?
Porque «a ultrapassagem do metafísico pelo positivo só se sustentou enquanto este último viveu da herança dos estádios anteriores (teológico e metafísico). Porém, o sucessivo afastamento e descuido em relação àquelas fontes deixou-o animicamente esvaído e eticamente desamparado».
A primeira parte deste raciocínio de D. Manuel Clemente a págs. 40 e seg. do seu livro “PORQUÊ E PARA QUÊ – Pensar com esperança o Portugal de hoje” assenta como uma luva ao meu avô e a segunda parte assenta como uma palmatória à geração pós-moderna actual.
Tomás da Fonseca dir-se-ia ateu mas viveu sempre numa irrepreensível ética cristã de solidariedade e benevolência para com o próximo, de honradez e de trabalho. Dominava com destreza a Teologia mas nunca se deu bem com a metafísica. Contudo, a luta que travou foi contra o domínio clerical da sociedade portuguesa em que nasceu e se fez homem.
No início do século XX, a sociedade rural do interior de Portugal vivia numa quase hierocracia e foi contra esse domínio que ele fez a batalha da sua vida.
Perante perfil absolutamente ético, creio necessário que, para remissão do pós-modernismo que nos vem sendo imposto e tem conduzido a juventude ao mais refinado hedonismo, haja «uma síntese a empreender para nos retomarmos como humanidade e com o que aprendemos entretanto» (op. cit).
A minha sorte é a de ter testemunhado o exemplo do meu avô – e o do meu pai – por contraste com os que julgam que tudo lhes é devido sem esforço e que na crise por que passamos se sentem «à rasca».
No transe actual, os profissionais da demagogia política também devem fazer uma pausada análise de consciência, caso ainda possuam parâmetros que lhes permitam distinguir o bem do mal.
Março de 2011 (um dia após a queda do «maligno»)
Henrique Salles da Fonseca