ALENTEJANANDO – 6
Foi ao passar por S. Miguel de Machede na estrada do Redondo para Évora que me lembrei de Endovélico, o Deus lusitano cujo santuário principal fica algures ali para as bandas de Mérida. Dessa religião há inúmeros monumentos (megalíticos) por todo o Alentejo: sei – mas não conheço – da existência de um santuário de Endovélico na região de Borba e conheço um enorme menir fálico perto de Monsaraz a que ainda hoje as mulheres inférteis se esfregam para que concebam.
E quando os romanos conquistaram a Lusitânia não baniram esses símbolos da religião local – apenas rebaptizaram Endovélico passando a chamar-lhe Zéfiro. E adoraram-no enquanto por cá andaram… O povo, mais atento aos ícones do que aos nomes, concordou.
A cristianização seguiu a mesma política dos romanos e a Zéfiro chamou S. Miguel, o Arcanjo. Eis por que ainda hoje o menir de Monsaraz cumpre a função para que foi erigido. É claro que quem conhece as Escrituras não vai a Monsaraz esfregar-se no que quer que seja.
E os campos continuavam lindos… Até que na cerca duma propriedade vi uma tabuleta para afugentar caçadores e outros intrusos que só na Península Ibérica é credível:
CUIDADO!
GADO BRAVO
É claro que não parei, por muito bonito que estivesse o campo. E estava!
A chegada a Évora é hoje bem diferente da que lá estava quando cursei no Instituto de que anos mais tarde nasceria a Universidade.
Rotundas por «dá cá aquela palha» com passagens para peões elevadas de modo a quebrar as suspensões dos carros dos automobilistas mais apressados. E para dar um ar de metrópole progressista, as ignóbeis faixas BUS que são verdadeiras afrontas ao maior contribuinte que existe em Portugal, o automobilista. Quem recebe subsídios do erário público tem assim direitos preferenciais sobre quem paga os impostos que financiam esses privilégios. Evidente inversão de valores. Solução? Muito simples: querem faixa BUS, perdem o subsídio. Optem!
É claro que este princípio tanto se aplica a Évora como a qualquer outra cidade que esteja pendurada nos meus impostos.
E dali fomos direitos à Praça do Giraldo, o tal que conquistou Badajoz por três vezes, para descermos pela Rua da Moeda até à Cozinha de Stº Huberto, o restaurante em que reserváramos mesa. Tudo bem e sem história especial a não ser que tive que ir estacionar o carro «onde o diabo perdeu as botas» pois tudo é proibido ou reservado restando ao forasteiro ir quase até à periferia para voltar a pé até ao centro. Pode ser eficaz mas não é simpático. Se não tivesse deixado a minha mulher na Praça do Giraldo, teria seguido caminho para outras paragens mais acolhedoras. Lisboa, por exemplo, onde tenho garagem.
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Praça do Giraldo, em honra do tri-conquistador de Badajoz
Depois do almoço fomos dar uma volta pela zona histórica da cidade mas dá para nos perguntarmos sobre o que é que em Évora não está recheado de História. Sou do tempo em que Túlio Espanca (1) passeava pela cidade com grupos de turistas e outros interessados a explicar o que acontecera em cada local…
Évora continua num processo de evolução interessante valorizando o seu património arquitectónico; a Universidade encarrega-se de valorizar o património humano e sem este nada de positivo pode acontecer.
E lá estou eu novamente a imaginar o «click» para que aquela cidade voltasse a ter a importância relativa que já teve há séculos. Sim, creio que bastaria criar as condições para que a agricultura pudesse voltar a existir. Até lá, continuará a ser sobretudo um sorvedouro de recursos públicos. Mais um como tantos e tantos outros em Portugal cuja governação só pensa em tributar o trabalho de qualquer formiga para depois subsidiar todos os que não podem trabalhar porque a economia não funciona.
Como não haveríamos de cair no buraco em que nos meteram? Felizmente, há cá dentro quem tenha as soluções para sairmos da crise.
Sim, se o presente é de desespero, o futuro só pode ser melhor. Haja esperança!
Aqui fica a sugestão aos agricultores alentejanos: façam a vossa Bolsa de cereais com operações sobre futuros e digam ao Governo que, se tiver tempo e souber, legisle sobre o facto consumado pela vossa iniciativa.
Entretanto, o templo romano continua no local em que o deixara na minha última passagem por Évora e no lintel da porta principal do Tribunal da Inquisição continua a frase por que muitos suaram as estopinhas: EXSURGE DEUS, JUDICA CAUSAM TUAM o que em comum significa LEVANTA-TE DEUS, JULGA A TUA CAUSA.
E foi a fazer slalom por entre nuvens negras que regressámos secos a Lisboa.
Março de 2011
Henrique Salles da Fonseca
(1) - http://pt.wikipedia.org/wiki/T%C3%BAlio_Espanca