ALENTEJANANDO - 2A
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Produz-se pouco, limita-se a ser bonito.
Nado e criado em Lisboa, creio que a primeira vez que visitei o Alentejo foi na minha excursão no último ano do curso, com a obrigatória visita à Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, já nessa altura a fazer bom trabalho em prol da agricultura portuguesa. Posteriormente tive dois bons períodos de contacto com o Alentejo, o primeiro precisamente em Elvas, na Estação de Melhoramento de Plantas, onde durante seis anos e meio exerci o cargo de Chefe do Laboratório de Citogenética . Ali pude fazer os primeiros tetraplóides de centeio, cevada e fenacho (a Trigonella foenum-graecum L.) e os triticales (os anfidiplóides de trigo x centeio). Também ali realizei os estudos de acções sobre os cromossomas que me levaram a concluir que não estavam correctas as mais usadas teorias para explicar a anafase . A anafase é a parte da divisão das células dos organismos biológicos, quando os cromossomas, se dividem longitudinalmente em duas metades, marchando cada uma para seu lado, para garantir que a nova célula tenha uma cópia exacta do seu código genético. Foram esses estudos que, posteriormente, me permitiram propor uma nova e, na minha opinião, mais correcta explicação desse fenómeno. O segundo período iniciou-se em 1982, como professor da Universidade de Évora onde, na regência de algumas cadeiras, dei a minha contribuição para a formação de cerca de um milhar de engenheiros no âmbito da agronomia e alguns centos de biólogos. Perdoem-me este longo arrazoado que me pareceu de certo modo necessário como introdução a alguns comentários à bela e muito correcta descrição da sua visita ao Alentejo apresentada pelo Dr. Salles da Fonseca. Como uma parte desses judiciosos comentários se referem à agricultura - bem expressos na frase "o que ele poderia ser se a política agrícola dos sucessivos Governos fosse boa… E como seria Portugal se há décadas não estivesse a ser vítima de políticas grosseiramente erradas?" - não quis deixar de chamar a atenção para alguns pontos, no âmbito desse sector tão importante para a economia nacional. Há muitas décadas que tento chamar a atenção para o que há a fazer para que a nossa agricultura seja bem diferente da que temos hoje. A base primeira desse desenvolvimento é uma investigação agronómica com grande desenvolvimento e de alto nível, de que há anos tínhamos algo (embora menos do que seria necessário) e que tem sido escandalosamente e criminosamente desmantelada nas últimas décadas, com feroz intensidade no primeiro governo Sócrates e que no actual apenas foi atenuada, nada se tendo ainda feito na direcção correcta. O que isso custou ao país foi já muito mais que o famigerado défice e uma parte da astronómica dívida. A direcção correcta, na minha opinião, expressa já há bastantes anos, é o Ministério da Agricultura iniciar um Programa Intensivo de Investigação Agronómica e de Extensão Agrícola, que fará a nossa agricultura (e, portanto, a nossa economia) dar um muito grande passo em frente. Alguns casos de progresso da agricultura no Alentejo têm estado a ser feitos com ciência agronómica... de Espanha, pois a nossa foi desmantelada! (Que, naturalmente, leva para o estrangeiro uma parte dos lucros). São muitos os casos a investigar e actuar mas, para que não fique a ideia de que apenas dou ideias gerais, posso apontar alguns casos específicos de actuação sobre os quais já tenho escrito algo. Há muito que estou convencido - na base de alguns elementos válidos - que quando o Alentejo drenar melhor as suas terras e encontrar melhores rotações de culturas (a definição da sucessão de culturas mais eficiente) até talvez possa cultivar cereais a preços competitivos. Num outro sector, a subericultura, ainda não há muito publiquei um artigo ("O montado português") em que mostrava o que é hoje um montado plantado há mais de cinquenta anos, sob a direcção de dois ilustres engenheiros agrónomos (um deles também engenheiro silvicultor), comparado com o que vemos na maioria dos casos. Como estes, muitos outros problemas poderão mudar drasticamente o Alentejo e a economia de Portugal. Como eu gostaria que, daqui a algum tempo, numa outra visita ao Alentejo, o Dr. Salles da Fonseca, que tão bem descreveu o estado actual, pudesse, com igual perspicácia, descrever o início dessa tão necessária evolução!
Miguel Mota
NB: o presente texto foi-me enviado como comentário ao ALENTEJANANDO - 2 e assim foi colocado no blog. Contudo, parece-me importante de mais para que fique escondido nessa qualidade de comentário. É uma pena que o SAPO não evidencie os comentários e os mantenha na sombra. Eis por que decidi repeti-lo como texto original e dar-lhe o relevo que me parece necessário.