CATURRICES 21
(*)
SAIR DA CRISE A NAVEGAR E A VOAR - XVIII
Como assim? Num momento como este, de sufocante aperto financeiro, quando parece que nada saiu certo nestes últimos vinte anos, vir defender o NAL, um óbvio “elefante branco”? É mais um que a crise ensandeceu!
Calma, Leitor, eu explico. Mas terá de ter a paciência de me acompanhar numa longa caminhada.
Com a Conferência de Berlim (1885), o mundo passou a ter, pela primeira vez na História, um único centro de gravidade: a Europa Ocidental. A 1ª GG (com a ajuda da Grande Depressão de 1929-33) vai deslocá-lo mais para o Ocidente, para o Atlântico Norte – nada de mais. E por lá se manteve até ontem.
Mesmo com o surgimento económico do Japão, nos anos ‘60, e, mais recentemente, dos Tigres Asiáticos, o epicentro do mundo continuava a ser o Atlântico Norte:
(1) era para lá que confluía o capital financeiro;
(2) era de lá que partiam os grandes fluxos de investimento;
(3) era a procura aí gerada que justificava tecnologias e absorvia excedentes.
A entrada em força da China (e, em menor escala, da Índia) no comércio mundial e a crise financeira de 2007/2009 puseram fim a este estado de coisas – apanhando de surpresa Europa Ocidental e EUA, que tinham a situação de privilégio por imutável e eterna.
É banal afirmar, agora, que está em gestação um mundo multipolar. Mas já terá interesse investigar o que é que isso significa para nós, portugueses. E, como veremos, significa muitíssimo.
Desenham-se presentemente quatro pólos geoestratégicos caracterizados pelas manchas de maior intensidade na movimentação de capitais, mercadorias e serviços (mas não tanto, de pessoas):
- O que vem do passado, o Atlântico Norte – e que continuará a ter o inglês como língua franca;
- O Pacífico Norte, que promete ser o mais pujante no futuro próximo – também com o inglês (aqui made in USA) como língua franca;
- O Índico Oriental, que se encontra ainda em embrião, a aguardar que a Índia desponte em força – de novo, o inglês (ou, talvez, o “Hinglish”) como língua franca;
- O Atlântico Sul, envolvendo a África Ocidental e praticamente toda a América do Sul – que ainda hesita entre o inglês e o português (falta à língua castelhana uma presença forte na África Ocidental para ser um candidato a língua franca com hipóteses).
Nesta nova arquitectura mundial:
(1) os EUA continuarão a dominar - já que serão a única potência a integrar dois pólos (o Atlântico Norte e o Pacífico Norte) e a ter um outro (o Atlântico Sul) ao alcance do braço;
(2) e a Rússia, uma super-potência do passado recente, será remetida, de novo, para uma posição periférica. Mas é o pólo do Atlântico Sul que aqui interessa (pelo menos tanto quanto interessa ao Governo dos EUA).
O Atlântico Sul tem por alicerces “naturais” o Brasil (a Ocidente) e Angola (a Oriente). Com dois arquipélagos (Cabo Verde e São Tomé e Príncipe) a servirem de barreira de contenção (numa espécie de cobertura à zona) a outros candidatos ribeirinhos bem posicionados para determinar a geometria deste pólo: Senegal, Guiné/Conakri e, principalmente, Nigéria (pela dimensão populacional e pela riqueza em combustíveis fósseis).
A África do Sul encontra-se demasiado distante do Atlântico Norte e do Pacífico Norte, e não conseguiria dar resposta economicamente satisfatória ao problema da movimentação de mercadorias de e para o interior do continente africano.
Angola, Brasil, Cabo Verde e S.Tomé, países de língua portuguesa. Senegal e Guiné/Conakri (com fracos argumentos a favor, até porque estão localizados muito a Norte), de língua francesa (com nulas hipóteses para se tornar a língua franca deste pólo). Nigéria, cuja língua oficial é o inglês - que se imporá, fatalmente, como língua franca, caso seja este país, e não Angola, a economia dominante na margem oriental do Atlântico Sul.
Neste pólo, o Brasil tem lugar cativo:
(1) nenhum outro país lhe disputa a dominância na margem ocidental do Atlântico Sul (a Argentina está demasiado a Sul);
(2) dispõe de uma base industrial importante, inovadora, competitiva e muito dinâmica;
(3) é rico em minerais e em combustíveis fósseis (ainda que de difícil acesso e com custos de extracção muito altos);
(4) acima de tudo, domina como ninguém a agricultura e a pecuária tropicais (ou de “cerrado”) - o que lhe permite produzir grandes volumes de excedentes alimentares exportáveis e o torna parceiro privilegiado no desenvolvimento dos países da África a Sul do Sahara.
Angola:
(1) também é excepcionalmente rica em combustíveis fósseis e numa vasta gama de minérios (diamantes, ferro, prata, areias finas, etc.);
(2) tem bons portos naturais;
(3) dispõe de excelentes pesqueiros;
(4) possui o que são, talvez, as últimas grandes extensões de solos férteis ainda por cultivar;
(5) e, mais que tudo, tem em abundância a água que falta ao cone sul de África.
Mas tem contra ela o facto:
(1) de ser deficitária em bens de toda a ordem (sobretudo, alimentares) que tem de importar;
(2) de se encontrar numa fase muito preliminar de um processo de desenvolvimento económico que tem sido gerido de forma algo inconsequente;
(3) de carecer de base industrial;
(4) de, por lá, ser ainda ténue a segurança jurídica. Nada disto é irresolúvel, mas vai demorar o seu tempo a resolver.
Outros alicerces possíveis para o pólo do Atlântico Sul, no caso de Angola não oferecer condições suficientes, são:
(1) a Nigéria – que lhe proporcionaria uma configuração típica, onde predominariam os hubs de transporte marítimo de mercadorias;
(2) a Zâmbia – que, por ser um país interior, descaracterizaria o Atlântico Sul como verdadeiro pólo geoestratégico, ficando, então, tudo como até agora (os países do Atlântico Sul manteriam ligações de periferia com os dois pólos já em actividade: Atlântico Norte e Pacífico Norte).
Apesar de todas as suas fragilidades, Angola tem um trunfo forte para jogar: a sua localização geográfica – ideal para a concentração e distribuição de pessoas (transporte aéreo) e mercadorias (transporte marítimo) em viagens intercontinentais.
Os seus portos marítimos são incontornáveis para as economias do interior do continente africano a Sul do Equador, até mesmo para a ligação da África do Sul ao Atlântico - assim existam ferrovias fiáveis. E na região do Golfo da Guiné, são vários os portos candidatos a desempenhar essa função em benefício das economias circunvizinhas.
A sorte do Atlântico Sul como pólo geoestratégico depende, então, da capacidade de Angola criar um hub intercontinental para o transporte aéreo de passageiros – que pode ser: em Luanda, em Huambo (antiga Nova Lisboa) ou em Saurimo (antiga Henrique de Carvalho). Seria o hub da margem oriental do Atlântico Sul – de par com Rio de Janeiro e S. Paulo, na contra-margem.
É aqui que entra em cena o NAL.
(cont.)
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