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A bem da Nação

CATURRICES 19

 

DA MÁQUINA PARA O HOSPÍCIO - XVI

 

 Verdade seja dita que o endividamento externo dos Bancos de cá começou muito antes de a Dívida Pública Externa ter disparado. E só foi possível chegar onde chegou porque:

- As economias fortes da Europa registavam excessos de liquidez - sem que o Resto do Mundo, devastado por sucessivas crises financeiras (América Latina, Tigres Asiáticos, Rússia), fosse, ao tempo, alternativa de investimento credível;

- Basileia 1 (o quadro prudencial prevalecente no sistema financeiro mundial até 2006) tratava com excepcional benevolência os empréstimos interbancários no seio da OCDE;

- A cultura burocrática do BdP impedia-o de ver que os Bancos de cá, nem estavam a gerir prudentemente os riscos a que se expunham, nem possuíam Capitais Próprios bastantes para o que andavam a fazer (escrevi sobre isto no jornal “Público”, em Janeiro de 2005);

- E, mais recentemente, o BdP pôs o ouro em cima da mesa para evitar o pior.

 

 Quanto à Dívida Pública, ela cresceu entre 1985 e 2007 (a partir de 2000, o que mais crescia em proporção era a componente externa) - mas manteve-se dentro de limites geralmente tidos por razoáveis (abaixo de 60% do PIB).

 Em meados de 2007, a crise financeira no Mundo Ocidental começa a desenhar-se (na realidade, começou em Outubro de 2006, quando o Banco HSBC anunciou que tinha levado a perdas milhares de milhões de USD de créditos hipotecários incobráveis). Pretexto para o Governo dar livre curso à sua pulsão gastadora – que justificava com os argumentos típicos de quem faz uma leitura apressada das teses keynesianas.

 

 E ainda hoje não sabemos nós, contribuintes, nem sabem os investidores estrangeiros, onde tanto dinheiro (quase 30% do PIB) terá sido gasto – até porque a capitalização dos juros (contrair empréstimos para pagar os juros, entretanto, vencidos) não explica tudo.

 

 Sem folga orçamental por causa de uma inoportuna descida nas taxas de alguns impostos, desmobilizada que estava a poupança doméstica por um longo rol de medidas igualmente insensatas, só restava ao Governo financiar-se no exterior – o que ele fez, com o à-vontade de grand seigneur. Como pagar esses empréstimos? Logo se veria.

 

 Poderia ter sido tudo diferente? Poderia - mas não com os actores que o destino tinha posto em cena.

 

 Bastaria:

- Ter sabido ler os sinais de crise em diversas Dívidas Soberanas, ao longo do 2º semestre de 2009;

- Ter constituído uma “almofada” de liquidez, enquanto os mercados ainda tinham a nossa Dívida Soberana em boa conta;

- Ter percebido que crises de Dívida Externa só se resolvem com mudanças estruturais - ou com guerras;

- E, se o clima piorasse, como piorou, ter negociado o apoio de FMI/FEEF ainda no 1º semestre de 2010 - para estancar a drenagem inútil de encargos financeiros exorbitantes e evitar credores pouco recomendáveis.

 

 Mas, para tal, teria de haver a percepção clara de que, com desequilíbrios persistentes na BTC e uma Dívida Externa de grandes proporções, o que estava em causa, mais do que a óbvia falta de liquidez (Euros Externos), era a própria solvência do País. Não havia.

 

 Tudo aponta para que FMI/FEEF venham a ser chamados in extremis (quando o BCE perder a paciência, por exemplo) no preciso momento em que a Dívida Externa (a do Estado e a dos Bancos de cá) esteja completamente arredada dos mercados. Então, Governo, Bancos, “opinadores”, todos dirão à uma, com ar compungido: “Que fatalidade!”

 

 E para atender a tamanha fatalidade, o “pacote financeiro” terá de dar:

(1) para preencher as necessidades de financiamento externo, e só essas, no período de transição para um modelo económico centrado nas exportações;

(2) e para aumentar substancialmente os Capitais Próprios dos Bancos de cá (em não menos de € 20 mM, pelas minhas contas). Tudo o resto, que não é pouco, terá de ser obtido internamente (parte em poupança espontânea, parte em poupança forçada).

 

 Em aberto fica a questão de saber se a reestruturação da Dívida Pública Externa consistirá, apenas, em reescalonamento (extensão e/ou diferimento dos reembolsos), ou se envolverá forçosamente a penalização dos credores (mediante a redução das taxas de juro inicialmente convencionadas e/ou o perdão parcial - entre 10% e 20% - do capital a reembolsar). Eu, por mim, não sei.

 

 Sei, sim, que a Dívida Externa dos Bancos de cá, ou é renegociada convencionalmente (sem esquecer o BCE), ou qualquer credor insatisfeito poderá requerer que este ou aquele seja declarado insolvente, mal o apoio do BCE se esfume.

 

 A melhor maneira de afastar este cenário, bem mais perigoso do que o default da Dívida Soberana, será dotá-los de Capitais Próprios à primeira vista excessivos (entre 15% e 20% dos respectivos patrimónios ponderados pelo risco) - e quanto mais depressa, melhor.

 

 Como? Por exemplo, utilizando uma fatia do “pacote financeiro” para resgatar os títulos de Dívida Pública (os de menor prazo remanescente) que se encontram na posse do BCE (e de outros “credores oficiais”) e, com esses títulos, reforçar o capital daqueles Bancos de cá que são as traves mestras do sistema de pagamentos. E “rolar” esses títulos, substituindo-os por novas emissões (conversão da Dívida Pública de Externa em Interna) até a situação económica estar estabilizada.

 

 Uma re-estatização? Não necessariamente, se o grosso dessas entradas de capital corresponder a acções preferenciais (que perfilho), a empréstimos subordinados ou a outros quaisquer instrumentos de quase-capital que o Basileia 3 admitir. Mas reconheço que estou a fazer uma profissão de fé desmedida na proficiência dos Supervisores (leia-se: BdP).

 

 Quando os Bancos de cá estivessem definitivamente sólidos (já com a crise superada):

(1) ou teriam Capitais Próprios em excesso – e as acções preferenciais iriam sendo amortizadas com títulos de Dívida Pública em carteira;

(2) ou não - e as acções preferenciais seriam convertidas em acções ordinárias e alienadas no mercado.

 

 Restam as mudanças estruturais que conduzam ao novo modelo económico. Graças a Deus, para serem decididas a coberto da tal apólice de desresponsabilização brindada por FMI/FEEF ao Governo que seja chamado a governar.

 

(cont.)

 

A.PALHINHA MACHADO

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