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A bem da Nação

O REFERENDO EUROPEU


Vou votar NÃO no próximo referendo sobre o projecto que nos é proposto de Constituição para a União Europeia.
Uma primeira razão fundamental é o modo como está redigida a alínea 2 do artigo I-3 sobre os objectivos da União que diz:
"A União oferece aos seus cidadãos um espaço de liberdade, de segurança e de justiça sem fronteiras interiores, e um mercado interior onde a concorrência é livre e não falseada."
Se neste artigo não estivesse incluída a expressão " não falseada", ponderaria.
Com esta redacção não aceito dar o meu aval. Não se trata de uma questão de somenos.
Todos estamos de acordo em que a União deve ser um Estado de Direito. Tal significa que os litígios devem ser decididos pelos tribunais. Sem a expressão "não falseada" no citado artigo, em caso de litígio entre uma entidade pública e um conjunto de empresas interessadas em defender interesses privados, um tribunal para decidir terá de ponderar convenientemente o caso. Com a referida expressão, um tribunal decidirá quase automaticamente em favor dos privados.
Cito um exemplo, as Câmaras Municipais, entidades públicas, são responsáveis pela conservação e manutenção dos cemitérios. Para isso são obrigadas a manter um corpo de coveiros que abrem as covas. Mas habitualmente não se encarregam dos funerais. Quando alguém morre, uma série de empresas privadas (e ao que parece já bastante internacionalizadas em Portugal) apressam-se em oferecer aos familiares os seus serviços para os fazerem.
Tem uma Câmara o direito de, usando os meios de que dispõe, assegura aos seus munícipes funerais dignos com preços modestos, que poderiam ser iguais para todos?
As empresas funerárias aceitariam esta actividade das Câmaras sem a contestar em tribunal?
Esteve em curso, e não sei se já terminou num tribunal português, um litígio em que as empresas funerárias contestaram às confrarias o direito de fazer os funerais dos seus próprios membros.
Como decidirá amanhã sobre esta matéria um tribunal europeu se, para assegurar as regras de um mercado livre e não falseado, neste caso da exploração da morte, ficar incluída na Constituição europeia a referida expressão "não falseada"?
Este projecto de Constituição europeia toca as nossas vidas muito mais de perto do que à primeira vista pode parecer.
[O Dr. Ludgero Pinto Basto, de 96 anos, comunista e anti stalinista, como lhe chamou um jornal, foi a enterrar há dois dias. Era amigo ele e era uma das pessoas com quem mais gostava de falar. Este artigo começou, de facto, quando olhava os coveiros que lhe lançavam terra na campa. É quase a continuação de uma fala com ele e é uma homenagem muito sentida que lhe presto.]
O actual projecto não tem a limpidez da Constituição dos Estados Unidos que, liminarmente, afirma que todos os homens são iguais. Não o eram quando foi adoptada. Até havia escravos. Mas a afirmação ficou a meta da qual, através de longas lutas, os Estados Unidos se têm aproximado.
Os nossos "constituintes" fizeram um projecto com 448 artigos e alguns textos anexos, em que procuraram regulamentar praticamente em definitivo, as liberdades, os direitos e as regras de funcionamento. Contaram com a desatenção dos cidadãos para o fazer aprovar, e há quem ameace com o caos se for rejeitado.
Se a França, a Holanda e eventualmente outros países votarem NÃO, será simplesmente necessário fazer uma revisão do projecto, o que não tem nada de espantoso. A União tem um Parlamento que pode perfeitamente nomear uma comissão para elaborar uma versão que possa ser aceite. No actual projecto há partes que praticamente ninguém contesta, nomeadamente, a parte que diz respeito à composição dos órgãos europeus, que parece uma proposta equilibrada e inteiramente aceitável por Portugal.
Há, no entanto, um artigo que nos diz muito directamente respeito, e para o qual o país deve estar atento se houver uma revisão.
É o artigo I-13 que diz que União tem competência exclusiva nos seguintes domínios:
"……………………..
d) na conservação dos recursos biológicos do mar no quadro da política comum da pesca;
……………………… "
Concordo com este artigo, mas não com a interpretação e utilização que, com antecipação, lhe está a ser dada. A política comunitária da pesca é definida em absoluto paralelismo com a política agrícola nos Artigos 225 a 232 sem, em parte alguma, ser referida uma transferência para a Comunidade, da soberania dos países sobre os seus territórios continentais, …ou marítimos.
A disposição do artigo 13, que devia ser entendida como uma condição a respeitar pelo estado soberano e pela política comum sob controlo da Comunidade, tem, no entanto, sido entendida como a indicação de uma transferência de soberania dos estados para a Comunidade.
A situação é igual à das riquezas do fundo do oceano, que continuam a pertencer aos países que têm, naturalmente, de respeitar normas ambientais comunitárias.
No caso de haver revisão do projecto, entendo, assim, que Portugal, para deixar o assunto bem esclarecido, deve exigir que a alínea d) acima transcrita, tenha o acrescento:
"…… sem pôr em causa a soberania dos Estados".
Sem isto, arriscamo-nos a ver a Comunidade, "em nome da conservação dos recursos biológicos", a atribuir licenças de pesca a países quer já delapidaram os seus.

Lisboa, 27 de Maio de 2005

António Brotas

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