CATURRICES 16
DA MÁQUINA PARA O HOSPÍCIO - XIII
Feitas as contas, o que poderemos esperar de uma “Carta FMI/FEEF”?
No essencial, três coisas:
(1) a imposição de OGE equilibrados (juros da Dívida Pública incluídos);
(2) o fim do regime de excepção para os contratos de trabalho sem prazo;
(3) um apoio financeiro substancial durante o período de ajustamento – isto se as duas anteriores medidas forem aplicadas com o devido empenho.
Obviamente, o apoio terá de ser reembolsado - e à frente da restante Dívida Pública, o que deixa os actuais credores compreensivelmente nervosos.
Tudo mais:
(1) ou é incompatível com a pertença à UE e à Zona Euro (a desvalorização; as restrições aos movimentos transfronteiriços de mercadorias, serviços e capitais);
(2) ou é já um facto, se o “acquis” comunitário for levado a sério (limites à expansão do crédito bancário; proibição de “desorçamentar” Gastos Públicos e de “monetizar” a Dívida Pública);
(3) ou não faz qualquer sentido quando os bens e serviços estão já liberalizados (ainda que a léguas do paradigma da concorrência).
Contudo, o que nos aflige é bem simples de enunciar:
(1) o nível atingido pela Dívida Externa Bruta (do Estado e da Banca) – que se revela, hoje, praticamente impossível de financiar/refinanciar no mercado;
(2) o facto de a Dívida Externa Bruta não parar de crescer na generalidade dos cenários que se antevêem prováveis;
(3) a necessidade imperiosa de reconduzir a Dívida Externa Bruta para níveis que os mercados financeiros internacionais vejam com melhores olhos.
Será que FMI/FEEF darão conta deste recado?
Para ver bem o quebra-cabeças em que, de modo alegre e despreocupado, nos tornámos, imagine, Leitor, que, por milagre, o Governo conseguia já em 2011 um excedente orçamental que lhe permitia amortizar um pouco da Dívida Pública. Na circunstância, optava por reduzir a Dívida Pública Externa (por exemplo, só refinanciava 90% da dívida que se vencesse ao longo do ano).
Como a actividade financeira do Estado não gera posições credoras sobre o exterior (salvo, através da colocação da Dívida Pública junto de não residentes – mais Dívida Externa, portanto), os Bancos de cá seriam chamados a intermediar a operação “vendendo” ao Governo, para o efeito, Euros Externos (isto é, sacando sobre depósitos que mantivessem junto dos seus Bancos Correspondentes no estrangeiro).
Mas, como os Bancos de cá têm essas contas muito rapadas, uma de três:
(1) ou teriam de se endividar ainda mais no exterior (e haveria, então, uma mera transferência de Dívida Externa do Estado para os Bancos de cá);
(2) ou deixavam de poder amortizar a sua própria Dívida Externa em igual montante (idem);
(3) ou diziam ao Governo “Sorry! Euros Externos, kaput. Vamos ter de esperar por melhores dias”.
Suponha agora, Leitor, que um grupo de portugueses decidia patrioticamente comprar uma fatia da Dívida Soberana que se encontra nas mãos de não residentes – mobilizando para tal mil Milhões de € depositados a prazo junto dos Bancos de cá.
De novo, os Bancos de cá:
(1) ou teriam de se endividar ainda mais no exterior (substituindo por endividamento externo o Passivo Bancário que os Depósitos a Prazo, até então, representavam);
(2) ou deixavam de poder amortizar a sua própria Dívida Externa em igual montante (idem);
(3) ou não era dado seguimento à Ordem de Compra porque os Bancos de cá não estavam em condições de liquidar a operação.
Em suma, nada feito: a Dívida Externa (do Estado e dos Bancos) forma um todo, tem de ser vista como um todo e terá de ser solucionada como um todo.
Dito de outro modo. Mesmo com uma BTC equilibrada, os Bancos de cá não aguentam um reembolso substancial da Dívida Pública Externa:
(1) porque a economia não lhes proporciona Escudos Externos nos volumes necessários para tal;
(2) e porque, à míngua de Capitais Próprios, esgotaram há muito a sua capacidade de endividamento no exterior (excepto junto do BCE).
Para reduzir a Dívida Externa (a do Estado e a dos Bancos de cá), tanto a BTC como a Balança de Capitais não Monetários (designadamente, o IDE/Investimento Directo Estrangeiro) terão de registar superavits, ano após ano. Só assim a economia (nomeadamente, os Bancos de cá) passará a dispor de Euros Externos para entregar - sem que, para isso, tenha de se endividar ainda mais junto de não residentes.
É a evolução destas duas Balanças, e dos respectivos saldos, que irá ditar o nosso futuro por muitos anos e bons. Duas perguntas se impõem, então: - Será possível trazer algum dia a Dívida Externa Bruta (do Estado e dos Bancos de cá) para níveis comportáveis, quer em termos relativos (% PIB), quer em valor absoluto? - Se sim, quanto tempo vai demorar esse processo?
Ah! Dirão os economistas mais conceituados – a economia irá crescer, sem dúvida, pelo que bastará que a Dívida Externa cresça a ritmo mais lento para o problema ficar resolvido.
Que bom, se assim fosse! Mas não é. E por diversas razões:
- O crescimento económico, mesmo aquele que assenta na exportação de bens e serviços, não dispensa, num primeiro momento, algum financiamento externo adicional;
- Os juros da Dívida Externa rondarão 6% a 10% do PIB actual - e se aquelas duas Balanças não gerarem anualmente excedentes dessa ordem, pelo menos parte dos juros terá de ser capitalizada, lançando-a assim num processo explosivo;
- Mesmo que, por um passe de mágica, fosse possível relançar a economia sem recorrer a mais financiamento externo e evitar a capitalização dos juros da Dívida Externa, o PIB teria de crescer a uma taxa superior a 8%/ano para, daqui a 10 anos, superá-la em valores absolutos (cerca de 6%/ano durante 20 anos; ou acima de 3%/ano durante 25 anos consecutivos – o tempo de uma geração).
FMI/FEEF teriam de contemplar, então, outras medidas mais:
(1) umas, para dinamizar, a passo acelerado, as actividades de bens e serviços exportáveis;
(2) outras, para atrair, a passo ainda mais acelerado, IDE – desejavelmente, encaminhado para essas tais actividades exportadoras que ainda estão por identificar.
E teriam, também, de entrar em linha de conta com o tempo que todas essas medidas levariam para produzir efeitos visíveis – antes de fixarem o valor do “pacote financeiro”. Tudo, sem infringir as regras da UEM.
Fazer com que muitos dos recursos hoje afectos ao Sector de Bens não Transaccionáveis migrem para o Sector dos Bens & Serviços Exportáveis, emagrecer aquele e robustecer este, nos prazos que uma “Carta FMI/FEEF habitualmente concede (4-5 anos), não seria propriamente transformar uma bengala num ramo de flores – mas quase.
FMI/FEEF teriam assim de depositar uma fé enorme, de apostar todas as fichas na procura externa. Sem saberem muito bem em que é que consistiria, nem o que é que haveria para lhe oferecer (e, diga-se de passagem, sem que os Bancos de cá fossem de grande préstimo, pelo menos ao começo).
E mesmo que, com fé, perseverança e sorte, a bengala se transformasse, por fim, no ramo de flores, de uma coisa poderíamos estar certos: à Dívida Externa actual haveria que adicionar os financiamentos líquidos (isto é, o “pacote financeiro” deduzidas algumas, poucas, amortizações, entretanto, feitas) que FMI/FEEF tivessem desembolsado.
Ou seja, de uma “Carta FMI/FEEF” sai-se, desde logo, mais endividado. Mas também mais capaz de servir a dívida - se tudo correr de feição, naturalmente.
Posto isto, cabe perguntar: será que uma “Carta FMI/FEEF”, só por ela, teria a virtude de trazer a Dívida Externa para níveis que não afugentem os investidores?
(cont.)
Dezembro de 2010
A.PALHINHA MACHADO