CATURRICES 15
DA MÁQUINA PARA O HOSPÍCIO -- XII
Há boas razões para suspeitar que o FMI não tem experiência por aí além em matéria de crises que atinjam, com precisão cirúrgica, este ou aquele membro de uma união monetária.
Seria o caso, por exemplo, de um Estado norte-americano em ruptura financeira (a Califórnia, ao que se diz). Acontece, porém, que os EUA contam com instrumentos poderosos (o Orçamento Federal, a Reserva Federal) para fazer o que for preciso – e, até ver, passam bem sem ajuda de fora.
Em suma: Grécia e Irlanda à parte (que o tempo decorrido ainda não deu para concluir nada), o FMI não só nunca foi chamado a mostrar ainda do que é capaz quando alguma economia de uma união monetária entra em colapso, como não se lhe conhece produção teórica nesta matéria.
Vejamos o caso português. Desvalorizar é impossível. Em abstracto, Portugal poderia sair da Zona Euro. Mas, mais que desvalorização, seria a moeda nacional de volta - com uma nova paridade cambial.
E seria também a imediata bancarrota, porque todos (Estado, Bancos, comuns mortais) teríamos de pagar as dívidas em Euros (que são muitas, como se sabe) com rendimentos denominados numa moeda desvalorizada.
Superavits no OGE também não seriam para já, porque estas coisas levam o seu tempo. E aí estariam o FMI e o FEEF para financiar a custo razoável os deficits programados – e só esses.
Agora, deficits certamente mais pequenos do que aqueles que o Governo tem vindo anunciar com ar resoluto. Saldo primário (isto é, saldo do exercício orçamental antes do lançamento dos juros da Dívida Pública) positivo logo no 2º ano. E adeus à contabilidade criativa e às receitas surgidas do nada.
Não surpreenderia, porém, que aquelas duas entidades tutelares recomendassem com especial veemência:
(1) que se pusesse termo a toda e qualquer subsidiação de actividades (transportes públicos e tudo mais);
(2) que as Despesas com o Pessoal não ultrapassassem uma dada % do PIB.
Caberia ao Governo, então, decidir que caminho tomar:
(1) manter o contingente do funcionalismo público, reduzindo as remunerações;
(2) manter a folha de remunerações, reduzindo o Quadro de Pessoal da Função Pública;
(3) uma qualquer combinação das duas soluções anteriores.
Estaria, talvez, fora de causa mexer nos preços da energia, das telecomunicações, da água – actividades que, ou estão em mãos privadas, ou têm contas razoavelmente equilibradas, ou já são pesadamente tributadas. Mas talvez se assistisse à subida de umas quantas taxas e impostos municipais para aliviar o OGE. Sem grande expressão, porém.
Com o Basileia 2 e a “Directiva” sobre o Capital dos Bancos, já não são necessárias medidas administrativas para restringir a expansão do crédito bancário: exigir-lhes Capitais Próprios em função dos riscos a que se encontrem expostos é terrivelmente mais eficaz.
E, de qualquer maneira, bastará um Supervisor mais atento ao risco (refiro-me ao risco e não às perdas contabilizadas) que pulula nos Balanços dos nossos Bancos para o crédito bancário conhecer, de imediato, uma contracção muito pronunciada – isto, se eles não forem lestos a reforçar largamente os seus Capitais Próprios.
Contingentar importações e proibir a saída de capitais, só se a UE concordar com o accionamento das cláusulas de salvaguarda do Tratado de Lisboa – uma incógnita que não se deu a conhecer até agora, nem na Grécia, nem na Irlanda. Mas nenhum destes países apresenta uma crónica de deficits na BTC tão longa e tão impressionante quanto Portugal.
Inflação, só se for, como até agora, gerada no Sector dos Bens Não Transaccionáveis. Cenário improvável, uma vez que, esvaziada a bolha de crédito bancário (que deu à economia portuguesa o aspecto disforme actual) e sem Gasto Público que o alimente (como até agora), este Sector estará condenado a definhar rapidamente. E na inflação que vier de fora (a da Zona Euro), mandará cada vez mais a Alemanha.
Medidas “estruturantes” para o FMI, já se sabe, são sinónimo de mercado de trabalho (flexibilização, flexibilização, flexibilização - sem que haja consenso sobre o que esta palavra significa).
Mas, por cá, as relações empregador/empregado verdadeiramente rígidas são as do Sector Público, onde impera a falácia: “se é função pública, tem de ser desempenhada por funcionários públicos e paga pelos contribuintes custe o que custar”.
Ora, o Sector Público, por mais que flexibilize e encolha, nunca gerará superavits na BTC, nem dinamizará o Sector de Bens Transaccionáveis – o que daí resultar pouco ou nada contribuirá para reduzir (reduzir – não digo pagar na totalidade) a Dívida Externa.
E num povo que mais depressa emigra do que muda de cidade - agarrado como está, pela cultura e pela hipoteca, ao local onde calhou habitar - não se augura grande sucesso a medidas que visam, simultaneamente, reduzir “custos de contexto” e estimular a mobilidade geográfica e profissional.
Visto isto, sobram duas perguntas:
- O que é que FMI/FEEF entendem por Dívida Externa (a do Estado mais a dos Bancos) sustentável (como é moda dizer)?
- Com que artes vão FMI/FEEF trazer a nossa Dívida Externa (2.2 vezes o PIB, com a Dívida Externa Líquida da ordem dos 113% do PIB e a aumentar) para esse nível de sustentabilidade recomendável?
É que, sem que se conheça com rigor o que FMI/FEEF vêm cá fazer, trazê-los só para emprestarem dinheiro (dinheiro que daqui a 3, 4, 5 anos terá de ser pago na totalidade, vá-se lá saber como), parece-me fraca ideia. E não particularmente sensata.
(cont.)