Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

A bem da Nação

CURTINHAS Nº 84

 

MAL DE QUEM NÃO OLHA PELOS SEUS...

 

 

 O que para aí vai por causa de uns investimentos de carteira (é assim que se diz) que o político Cavaco Silva, bem aconselhado, entendeu fazer, anos atrás (em 2001, por aí), na Sociedade Lusa de Negócios (então SLN SGPS; hoje Galilei SGPS)!

 

 Ao que se diz, entre ele e a filha, terão comprado 255,018 acções da dita empresa ao preço de € 1.00/acção (o valor nominal), para vendê-las, tempos mais tarde (em Novembro de 2003) com uma suculenta mais valia de € 1.40/acção.

 

 Começo por reconhecer que até o investidor mais adicto à adrenalina do risco pensaria duas vezes antes de entrar num negócio destes: (1) 255 mil acções mal chegavam a 0.0005 do Capital Social da SLN SGPS, pelo que nunca se faria ouvir numa Assembleia-Geral, por mais que gritasse;

(2) o risco de preço a que se expunha seria enorme, uma vez que as acções de SLN SGPS não eram, ao tempo, como não são hoje, negociáveis em Bolsa.

 

 No cenário mais pessimista, mas plausível, o problema nem seria o preço de saldo a que ele teria de vender um lote que comprara com tanta fezada. Seria, sim, encontrar quem as quisesse comprar. Na realidade, quem compra acções não negociáveis em Bolsa, ou tem o conforto de um acordo de recompra, ou tropeça no desagradabilíssimo risco de liquidez: o perigo de não aparecer comprador, quando há que realizar dinheiro de um dia para o outro.

 

 As Sociedades de Capital de Risco bem conhecem este problema – e precatam-se com acordos de recompra que, por mais habilmente gizados, as deixam sempre com o credo na boca: chegado o momento, o comprador não quer (risco de contraparte), ou não pode (risco de crédito), cumprir.

 

 Se a imagem que Cavaco Silva cultivou com desvelo durante todos estes anos (a de um político avesso a riscos, dúvidas e enganos) se ajustar ao personagem, é pouco crível que ele tenha decidido o investimento sem a rede segura de um acordo de recompra. Subscrito não por qualquer um, mas por quem, no ponderado juízo deste investidor, fosse pontual como um relógio suíço, acontecesse o que acontecesse.

 

 Que comentadores e adversários políticos do recandidato não comecem a gritar como vestais ultrajadas, à vista dos fumos de um possível acordo de recompra.

 

 É corrente por esse mundo fora as empresas munirem-se de um “saco azul” de acções próprias para premiarem o seu pessoal (geralmente, mais os gestores de topo que o pessoal menor) através de bem calibradas vendas com acordo de recompra (uma espécie de stock options um tanto rústicas).

 

 Afinal, sobre os prémios que sejam pagos em mão recai todo o peso da carga fiscal directa e parafiscal - mas as mais-valias, nos raros casos em que são tributadas, safam-se com taxas de imposto simbólicas e sem quaisquer contribuições para a segurança social. E as menos valias que a contraparte vier a registar até são fiscalmente dedutíveis.

 

 Os políticos tarimbados que não venham dizer agora que ignoravam tal prática (se é que um ou outro não viu já o seu passadio melhorado graças a semelhante expediente): muitas das privatizações apoiaram-se às claras em acordos de recompra para satisfazer a ingénua exigência do legislador quanto a dispersões mínimas de capital!

 

 A existirem, os acordos de recompra destinados a contornar a lei fiscal são, como não poderiam deixar de ser, verbais, de palavra de honra, celebrados na base da total confiança entre as partes.

 

 No caso SLN/BPN, porém, a razão era outra. Desde sempre o Grupo foi useiro e vezeiro a celebrar acordos de recompra (mais exactamente opções Put) com accionistas cuja preocupação maior não era a carga fiscal, mas, sim, os riscos a que se expunham ao adquirirem acções não cotadas: fosse o risco de preço; fosse o risco de liquidez; fossem mesmo os riscos de crédito e/ou de contraparte (daí a frequente intervenção do BPN como garante).

 

 Quer a SLN SGPS, quer o seu accionista principal (SLN VALOR), o “saco azul” sempre em estado de prontidão, entravam alegremente no jogo. E o BdP desviava pudicamente os olhos (em todos os Relatórios & Contas de SLN SGPS há referência a transacções com acções próprios, em volumes apreciáveis, mas sem indicação das contrapartes).

 

 Não ocorreu ainda aos adversários políticos de Cavaco Silva que a polémica operação tanto pode ter partido da iniciativa do recandidato, como de um fiel correligionário que assim queria subir na estima do seu chefe e mentor: começa por lhe falar num investimento seguro, convence-o e, passados uns tempos, aparece a dizer-lhe, eufórico, que encontrou comprador disposto a pagar bom preço. Ah! Fiel correligionário que tanto te preocupas comigo. Como és hábil. E como te estou grato!

 

 É claro que os nossos comentadores de todos os quadrantes, não menos hábeis e conhecedores, ferram o dente no preço de venda, para não mais largar. Como estivesse aí a chave do enigma. E no desvario da carniça, até se esquecem de perguntar o que, na verdade, importa saber e que extravasa qualquer acordo verbal.

 

 Pois se não perguntam eles, pergunto eu (e respondo a uma ou outra, louvado em elementos que deveriam ser do conhecimento público):

- Quem foi o vendedor? [R: Basta consultar o Livro de Registo de Acções da SLN]

- Qual o valor contabilístico das acções no momento da venda? [R: Não sei, porque desapareceram do mercado os Relatórios & Contas da SLN SGPS. Nem o BdP os tem, ainda que a SLN SGPS fosse, durante largos anos, o accionista único de um Banco sujeito a supervisão.]

- Houve lugar a operações semelhantes por esses dias? [R: Uma vez mais, não sei. Mas em 2005, SLN SGPS comprou 4 milhões das suas acções ao preço médio de € 2.82/acção, e vendeu outras tantas ao preço médio de € 2.75/acção. De 2006 em diante o baile esteve mais barato e menos animado.]

- Se sim – quem foram as partes vendedoras? [R: Uma vez mais, folhear o Livro de Registo de Acções da SLN ajuda a encontrar a resposta.]

- Se sim - quais os preços de venda praticados? [R: Em 2005, € 2.75/acção.]

- Havia direitos de preferência a respeitar? [R: Havia.]

- Se sim, foram respeitados? [R: Não. E parece que ninguém se preocupava muito com isso.]

- A operação foi financiada? [R: Aqui, a colaboração de Cavaco Silva é essencial; mas a consulta aos registos contabilísticos do BPN também pode desfazer todas as dúvidas, já que não é provável que a operação tenha sido financiada por um outro Banco; mas poderia ter sido financiada por SLN VALOR ou terceiro particular.]

- Quem recomprou? [R: De novo, o Livro de Registo de Acções da SLN.]

- Qual o valor contabilístico das acções no momento da recompra? [R: Não sei. No fecho de 2005 era € 1.24/acção, mas parece que havia por lá muita contabilidade criativa.]

- Houve lugar a operações semelhantes por esses dias? [R: Ver mais acima.]

- Se sim – quem foram as partes intervenientes? [R: Uma vez mais, folhear o Livro de Registo de Acções da SLN.]

- Se sim – e quais os preços de recompra praticados? [R. Em 2005, € 2.82/acção.]

- Estas operações de venda com acordo de recompra, sendo efectuadas por SLN (o que não é líquido; inclino-me mais para a SNL VALOR), aparecem divulgadas nas Demonstrações Financeiras? [R: Pelo menos, apareceram de 2005 em diante.]

 

 SLN SGPS não tinha, à época, Livro de Registo de Acções, ou este estava desactualizado? E o BdP permitia que tal ocorresse numa Sociedade Holding accionista único de um Banco (o BPN)?

 

 Faço notar que o tempo que decorreu entre a compra e a revenda (cerca de 2 anos) era a justa medida para evitar a tributação da mais-valia sem dar nas vistas. Isso é um facto.

 

 Nisto tudo há, porém, um ponto intrigante: a operação foi efectuada conjuntamente por Cavaco Silva e sua filha. Não Cavaco Silva e o cônjuge, como é usual no regime de comunhão de bens, havendo recurso a financiamento bancário. Não Cavaco Silva e ambos os filhos. Não, numa reminiscência do morgadio, Cavaco Silva e seu filho varão. Mas Cavaco Silva e a filha.

 

 Será que a operação foi montada, não para proveito patrimonial de Cavaco Silva, mas para resolver problemas pessoais da sua filha – e por deferência para com um pai compreensivelmente preocupado?

 

 A.P.MACHADO

Janeiro de 2011

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2006
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D
  261. 2005
  262. J
  263. F
  264. M
  265. A
  266. M
  267. J
  268. J
  269. A
  270. S
  271. O
  272. N
  273. D
  274. 2004
  275. J
  276. F
  277. M
  278. A
  279. M
  280. J
  281. J
  282. A
  283. S
  284. O
  285. N
  286. D