O HOMEM PRIMITIVO…
… NO PENSAMENTO DE HEGEL
EXPLICADO POR ROGER SCRUTON
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[Para o homem primitivo] (…) não há desejo que não seja desejo de algo. (…) o desejo põe o seu objecto como independente de si mesmo; o nosso sujeito primitivo deu (…) um passo na direcção da concepção de um outro e, portanto, na direcção de uma concepção de si mesmo como algo diferenciado desse outro. A sua «simplicidade absoluta» está à beira de se cindir. Contudo, a consciência não é ainda um agente: não possui qualquer concepção da sua própria natureza ou do valor do seu desejo primitivo. Permanece como escrava do apetite e do impulso. Este, grosseiramente, é o estado da consciência animal que explora o mundo puramente como objecto do apetite e que, não sendo nada para si mesma, é desprovida de uma vontade genuína. Neste estádio, o objecto do desejo é apenas concebido como uma falta, sendo que o próprio desejo destrói ou consome a coisa desejada.
Segue-se um «momento» peculiar na consciência da subjectividade primitiva. Trata-se do momento da oposição. O mundo não se limita a não cooperar com as exigências do apetite: ele resiste-lhes activamente. A alteridade do meu mundo constitui-se ela própria como oposição. Parece remover o objecto do meu desejo, lutar por ele, procurando a minha destruição enquanto adversário.
Nesta altura, o eu «encontrou a sua contraparte», seguindo-se daqui (…) a «luta de vida ou morte com o outro», na qual o eu começa a conhecer-se a si mesmo como vontade, como poder, confrontado com outras vontades e outros poderes. A completa autoconsciência não resulta disto pois a luta (…) surge do apetite, não trazendo qualquer concepção do valor daquilo que é desejado. Por isso, não cria a consciência do eu numa relação definida com o mundo, realizada por algumas coisas e negada por outras. (…) ela não gera o conceito do ser na sua liberdade. Pelo contrário, o resultado desta luta é o domínio de uma parte pela outra. O conflito é resolvido unicamente pela relação instável do Senhor e do escravo.
(…) [Esta] exposição (…) foi destinada a exercer (…) influência sobre a filosofia ética e política (…).
In Scruton, Roger – BREVE HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA (pág., 227 e seg.); ed. Guerra e Paz, Editores S.A., Lisboa,; 1ª edição, Junho de 2010
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Georg Wilhelm Friedrich Hegel (Estugarda, 27 de Agosto de 1770 — Berlim, 14 de Novembro de 1831) recebeu formação no Tübinger Stift (seminário da Igreja Luterana em Württemberg).
Fascinado pelas obras de Espinosa, Kant e Rousseau, assim como pela Revolução Francesa, muitos consideram-no o ápice do idealismo alemão do século XIX.
Filósofo da totalidade, do saber absoluto, do fim da história, da dedução de toda a realidade a partir do conceito, da identidade que não concebe espaço para o contingente, para a diferença; filósofo do estado prussiano, que hipostasiou o Estado – todas essas são algumas das recepções da filosofia de Hegel na contemporaneidade.
As suas obras Hegel possuem a fama de serem difíceis, devido à amplitude dos temas que pretendem abarcar. Hegel era crítico das filosofias claras e distintas, uma vez que, para ele, o negativo era constitutivo da ontologia. Neste sentido, a clareza não seria adequada para conceituar o objecto. Introduziu um sistema para compreender a história da filosofia e do mundo mesmo, chamado geralmente dialéctica: uma progressão na qual cada movimento sucessivo surge como solução das contradições inerentes ao movimento anterior. Por exemplo, a Revolução Francesa constitui a introdução da verdadeira liberdade nas sociedades ocidentais pela primeira vez na história escrita. No entanto, pela sua novidade absoluta, é também absolutamente radical: por um lado, o aumento abrupto da violência que fez falta para realizar a revolução, não pode deixar de ser o que é, e, por outro lado, já consumiu o seu opositor. A revolução, por conseguinte, já não pode voltar-se para nada além de seu resultado: a liberdade conquistada com tantas penúrias é consumida por um brutal Reinado do Terror. A história, não obstante, progride aprendendo com os seus próprios erros: somente depois desta experiência, e precisamente por causa dela, se pode postular a existência de um Estado constitucional de cidadãos livres que consagra tanto o poder organizador benévolo (supostamente) do governo racional e os ideais revolucionários da liberdade e da igualdade.
Segundo Umberto Padovani e Luis Castagnola, em "A história da Filosofia": "A Lógica tradicional afirma que o ser é idêntico a si mesmo e exclui o seu oposto (principio da identidade e de contradição); ao passo que a lógica hegeliana sustenta que a realidade é essencialmente mudança, devir, passagem de um elemento ao seu oposto."
In Wikipédia
Lisboa, Janeiro de 2011
Henrique Salles da Fonseca