A ALEMANHA
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De vez em quando surgem, no seio da União Europeia, acusações de tentativas hegemónicas de alguns dos seus membros, principalmente dos países de maiores dimensões, como a Inglaterra, a França e especialmente a Alemanha. É um problema grave porque, ou a UE funciona na base da igualdade de direitos de todos os seus membros ou, mais tarde ou mais cedo, haverá problemas muito graves.
Já uma vez tive de lembrar esse facto a um importante Senhor, que declarou que Portugal tinha pouco peso na UE, dizendo que teríamos de ter, como os outros, 1/15 (um quinze avos, porque eram, na altura, 15 países membros). E lembrei que a Dinamarca, mais pequena que Portugal, não cedia nesse ponto e até fez com que decisões de Maastricht, consideradas imutáveis, fossem alteradas em Edimburgo, porque esse pequeno país o exigiu.
Os sintomas de que a Alemanha deseja moldar a UE às suas conveniências não são novas. Em 1996, a revista americana TIME publicou um artigo sobre os chamados "critérios de Maastricht", as condições financeiras a que os países membros teriam de obedecer para entrarem no euro. E dava os valores desses parâmetros que se previam para os países membros no ano de 1997 e serviriam à decisão, a tomar em 1998, dos países que poderiam, em 1999, começar a usar a moeda única. Os principais desses valores eram o défice orçamental (que não poderia exceder 3%) e a dívida pública (com o limite máximo de 60%), expressos em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB).
Dei-me ao trabalho de ordenar os países por ordem crescente dos valores publicados pela TIME. Uma conclusão saltou à vista: esses valores pareciam ter sido definidos para servirem à Alemanha, cujos valores previstos eram, respectivamente, 2,9% e 59%.
Enviei à TIME uma carta em que chamava a atenção para essa"coincidência" e para o facto de ninguém (que fosse do meu conhecimento) ter explicado como foram determinados esses valores de 3% e 60%. Seria conveniente que se explicasse ao grande público porque razão é que o défice orçamental máximo não deve ser 2% (com o qual se qualificariam apenas dois países, nenhum deles a Alemanha), ou 4%, o que qualificaria dez países.
Como a TIME não publicou a minha carta (embora já anteriormente tivessem publicado duas outras e há meses publicaram mais outra), resolvi escrever um artigo, com os quadros dos valores previstos, para publicar em Portugal. Esse artigo foi recusado por algumas revistas (entre as quais duas de economia) e publiquei-o numa revista de agricultura (1), para que ficasse em letra de forma, pois as palavras voam mas a escrita fica.
Terminei esse artigo dizendo:
"Se se quer fazer uma União Europeia forte, coesa e equilibrada, a primeira condição é que nenhum dos seus membros pretenda dominar os outros. Se se pode pensar que qualquer país, particularmente dos mais fortes, pode ter ideias hegemónicas, há que criar mecanismos que evitem qualquer posição desse género ou estaremos a comprometer irremediavelmente a ideia original e a criar focos de tensão que, mais tarde ou mais cedo, levarão a graves conflitos, eventualmente a uma guerra de trágicas consequências."
Miguel Mota
(1) Mota, M. – Critérios. Que critérios? - Vida Rural Nº 1630, Ano 45º, Outubro de 1997
Publicado no “Linhas de Elvas” de 9-12-2010