Crónicas Portucalenses - 5ª e última
(desanimado e saudoso!)
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Tinha reservado esta última crônica para falar da família, dos amigos, daqueles que, enfim, nos levaram a Portugal. Mas ao ler, todos os dias, o jornal da manhã, e ver as barbaridades que se cometem neste lindo Brasil, um frenesi me percorre, e o desabafo, somente nestas linhas, é mais forte, quase, do que as saudades!
Há dois dias o jornal dizia que o chefe do MST, o tal movimento de bandoleiros pagos com dinheiro do governo que invadem e arrasam fazendas, matam gado de concurso que vale fortunas, destroem a floresta porque “precisam” de plantar alimentos, destroem também equipamento agrícola e laboratórios de pesquisa florestal porque não gera batatas ou couves, tudo isto com o beneplácito e dinheiro do governo, vai ser condecorado com a Medalha de Mérito Legislativo!
Isto nem absurdo é. Não tem qualificação esta atitude covarde dum governo com medo e sócio desta gente, a quem paga para obter votos, e ainda os condecora! Meus Deus!
E ontem, a madama dona primeira futura presidenta, ao tomar conhecimento de que, segundo a ONU, o Brasil em termos de educação está igual ao Zimbabwe, o país africano com o pior IDH (Indíce de Desenvolvimento Humano) do mundo, também teve o desplante - ou a ignorância? – de dizer que a educação não é das suas prioridades, pois “já está muito bem encaminhada”!
Pobre país, tão rico e tão pobre de inteligência e seriedade. A riqueza é para ser roubada e a ignorância para votar na ignorância!
Voltemos a Portugal.
Rever os irmãos e os amigos, alguns com 90 anos e de ótima saúde, outros menos bem, muitos com oitenta e bastante, a maioria rondando as oito décadas, estar com companheiros da escola primária com quem mantivemos toda a vida uma profunda amizade, onde a conversa parece não acabar num almoço que demora mais de seis horas, lembrando professores bons e aquela horrível “menina de sete olhos” com que todos fomos “acariciados”, um nunca mais acabar de recordar, até sermos corridos do restaurante, é uma benção.
Um colega de estudos fez, de carro, mais de mil quilômetros para nos vermos, e procurarmos saber daqueles que ainda estão vivos dos que terminaram o curso conosco, e são já menos de um terço! Outro foi de Madrid para lembrar os tempos de sempre, desde talvez 1936, de Angola e até lá de Madrid, onde assisti à última corrida de touros em 1977! Para encontrar um outro fui eu que fiz mais de quinhentos quilometros, fora as inúmeras voltas dadas em Lisboa e arredores para não deixar de ver um só deles.
Mas, às duas por três, as forças começaram a fraquejar e não pude cumprir com o que tanto desejava; alguns tiveram que ficar para a próxima vez, se... essa próxima vier a acontecer!
Estar com os irmãos e os primos irmãos de ambos os lados da família é sempre uma experiência única! Contam-se histórias dos pais e tios, algumas que nos fazem chorar a rir, maluqueiras da mocidade, rirmos também, em vez de chorar, com as histórias daqueles que já se foram, nos deixaram a alma menor, mas não saem dos nossos corações. Recordar os momentos alegres da vida faz-nos rejuvenescer.
Encontrar a amiga e vizinha de infância na rua das Trinas, que mais tarde foi também nossa vizinha em Luanda e ainda se lembra do cor do suporte, verde, da nossa máquina de café, quando esta, há meio século, circulava lá no bairro;
Oh! Ana: olhe a máquina de café, com o suporte verde... e que deve ter quase 60 anos !!!
descobrir que o famoso Alberto Gomes, que nos ofereceu a tal caldeirada espetacular,
Olha só o aspeto... e o cheirinho !
As recordações de Angola dum homem de 90 anos!
e que depois dos oitenta anos virou pintor sem que ninguém o ensinasse, um “naif” encantador; ter a oportunidade de estar presente nas Bodas de Ouro de outros amigos, onde encontrámos as famílias dos dois lados dos noivos, alguns que não víamos há décadas, e imensos convidados também velhos amigos; reunirmo-nos com a “velha” família de Angola, quando todos éramos uns meninos de pouco mais de trinta anos, e ver agora os filhos destes, como os nossos, cheios de netos e até bisnetos; ver aparecer uma “garota” ou um “garotão” de quarenta ou cincoenta, cabelo a esbranquiçar, perguntar-nos: “o tio sabe quem eu sou?”, e de repente lembrá-los meninos de meia dúzia de anos a brincar com os nossos filhos, sentir no abraço de cada um uma saudade e uma amizade que os anos só continuam a fortalecer, e não conseguir, nem querer impedir, que os olhos de vez em quando se encham de água.
Tudo isto faz com que o retorno a casa se torne um misto de alegria e tristeza!
Mas como “a casa da saudade se chama memória”, e o coração, esperamos que ambos durem ainda muito tempo.
Rio de Janeiro, 8 de Novembro de 2010