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A bem da Nação

CONTRIBUTO PARA UM LIVRO SOBRE A EDUCAÇÃO EM PORTUGAL

 

 

Sobre a destruição do Ensino Técnico O país está muito mal informado sobre o modo como foi destruído o Ensino Técnico. Sobre o assunto há o que podemos classificar de ignorância de segunda geração. Os que sobre ele escrevem têm, dum modo geral, como fonte de informação textos de autores já muito mal informados. Assim, para a generalidade das pessoas que hoje se interessam pelo nosso sistema educativo, incluindo as que sobre ele tomam decisões e legislam, o desaparecimento do Ensino Técnico foi devido a erros cometidos no imediato pós 25 de Abril. Na realidade, não foi bem assim.

 

O assunto não é importante só para quem queira conhecer o nosso passado. É importante, sobretudo, para quem procure descobrir como será o nosso futuro e tente, se possível, influencia-lo. A população tem uma vaga ideia de que já foram feitas tentativas para recriar um Ensino Técnico, mais ou menos à margem do ensino geral, mas que todas falharam ou, pelo menos, não o conseguiram consolidar. Mas há, ainda, quem tenha a esperança, cada vez mais vaga e difusa, de que técnicos do Ministério da Educação ou de algum outro que estejam a trabalhar no assunto, consigam, com o auxílio da Comunidade Europeia, criar, um dia, um futuro e longínquo Ensino Técnico válido.

 

O problema exige, no entanto, um repensar profundo de todo o Ensino Secundário Português (e não só do português, mas do de toda a Europa) que, tanto quanto o sei, não está a ser feito. O modo de o evitar tem sido, sistematicamente, o de ignorar o passado quando se pretende estar a preparar o futuro.

 

Durante um período, acompanhei de perto algumas questões relacionadas com o Ensino Técnico. Embora muito resumidas e certamente com erros e lacunas, as notas que se seguem, com recordações desse período, poderão ter alguma utilidade.

 

No Ensino Secundário havia em Portugal dois ramos muito distintos, o Ensino Liceal e o Ensino Técnico que dependiam de duas Direcções Gerais, que no Ministério da Educação viviam muito afastadas. Para prosseguirem os estudos depois dos 4 anos do Ensino Primário, as crianças tinham de ser encaminhadas para um destes dois ramos. Obrigar crianças de 10 anos a optar por uma via escolar que iria condicionar todo o seu futuro era uma barbaridade e, na altura, mesmo em Portugal, já um anacronismo.

 

Em 1967, penso que por iniciativa do Ministro Galvão Teles, o 5º e 6º anos de escolaridade foram unificados, sendo criado o então chamado Ensino Preparatório, com uma escola pelo menos em todos os concelhos. A própria designação de Preparatório indicava que se destinava a alunos que deveriam prosseguir os estudos secundários. Este ensino, com a duração de dois anos, revelou-se, desde o início, bastante inovador.

 

No mandato do Professor Veiga Simão, as estruturas do Ministério que o coordenavam foram suficientemente dinâmicas para levar o Ministro a aceitar a experiência pedagógica de um 3º e 4º ano do Ensino Preparatório (7º e 8º anos de escolaridade). Esta experiência, destinada a preparar os curricula de um futuro ensino unificado e que foi, de facto, muito importante, funcionou, efectivamente, nalgumas dezenas de escolas e a sua avaliação deu origem a fortes reacções e polémicas.

 

Mas, adicionalmente, surgiu um problema. Os alunos do 4º ano do Preparatório, habituados a um ensino orientado para o desenvolvimento das suas capacidades, para fazerem o exame do 9º ano, tinham de frequentar o 9º ano num liceu, e os professores do liceu chumbavam-nos como tordos porque não conheciam as matérias do 7º e 8º anos do liceu.

 

Assim, depois do 25 de Abril, uma das primeiras medidas que em 1974 o Ministro Magalhães Godinho teve de tomar, foi a de pôr fim à experiência do 3º e 4º anos do Preparatório, ou de a prolongar com um 5º ano com um exame terminal. Foi a segunda, a decisão tomada. A estrutura do Ministério encarregue de assegurar o funcionamento deste 5º ano foi o Gabinete de Estudos e Planeamento de que eu era o Director. No entanto, interferindo por vezes, acompanhei o assunto só muito por alto. O que se fez, de facto, foi constituir uma ampla equipe coordenada pelo Professor Mário Dionísio, nomeado pelo Ministro, que teve o árduo trabalho de, simultaneamente, conceber e pôr em funcionamento este 5º ano. O GEP só assegurou as condições operacionais, inclusive, editando nas suas oficinas textos didácticos. Nas ocasiões em que acompanhei o trabalho por ele desenvolvido, tive sempre o sentimento de que ali se estava a preparar o ensino português do futuro.

 

Mas, nem tudo se passou com este sossego. O país vivia uma situação tumultuosa e havia o desejo generalizado de mudar rapidamente tudo o que vinha do passado. Estava reunida a Assembleia Constituinte e todos os partidos, com a excepção do CDS, tinham incluído a unificação do Secundário nos seus programas eleitorais. E, dentro do Ministério, havia uma pressão muito forte para avançar com a unificação do Liceu e do Industrial. Eu sabia que esta unificação imediata afogaria a experiência que estava a ser feita no GEP. Ceio ter sido o único quadro superior do Ministério que defendeu que devia ser adiada.

 

Lembro-me de ter discutido o assunto com o Secretário de Estado Rui Grácio. Mas, passados 35 anos, a leitura acidental de um relato feito ao vivo, em 1974-75, por uma aluna sobre o que se passava no seu liceu, fez-me pensar que, possivelmente, não tive razão e que o Ministério tinha de fazer o que fez, isto é, iniciar imediatamente a unificação do Secundário. Com efeito, a reforma dos programas era imprescindível e o Ministério não podia dizer às escolas: “Esperem enquanto nós estamos a fazer no GEP a experiência do 5º ano do Preparatório”. (Antes de continuar, reproduzo aqui a última linha do referido relato feito por uma aluna, sobre o final do ano lectivo de 1974-75 num liceu de Lisboa: “ Estávamos todos um bocado tristes porque sabíamos que o presente se ia transformar em passado”).

 

Houve, assim, no Verão de 1975, um primeiro diploma sobre a unificação do Liceu e das Escolas Técnicas. Esta unificação ao nível do 7º ano, no entanto, só se estendeu a todas as escolas em 1976/77. Conforme previsto, nos dois anos lectivos seguintes, foram unificados os 8º e 9º anos. Mas, ao mesmo tempo, foi tomada uma decisão que foi a verdadeira causa da destruição do nosso Ensino Técnico: as duas Direcções Gerais do Ensino Liceal e do Ensino Técnico foram reunidas numa única Direcção Geral do Ensino Secundário.

 

A ideia inicial de todos os que no Ministério tinham defendido a unificação era a de que essa unificação devia ser feita até ao 9º anos, mas que, depois, ao nível do 10º ano, devia haver uma grande diversificação que incluísse vias de um verdadeiro ensino profissional, que entretanto deviam ser preparadas. Para assegurar esta diversidade era absolutamente necessário manter a Direcção Geral do Ensino Técnico onde estava a experiência das escolas técnicas. (Os dois ensinos, na década de 60, quase com o mesmo número de alunos, tinham corpos docentes muito diferentes. Havia, por exemplo, muitos engenheiros professores do Ensino Técnico, muitos dos quais a tempo parcial, enquanto no Liceu não havia quase nenhum. Sugiro ao Ministério que procure ver quantos engenheiros há agora professores do Secundário e quantos havia em 1965).

 

A unificação das duas Direcções Gerais foi, de facto, uma licealização, que desperdiçou a experiência da Escolas Técnicas, a do 3º, 4º e 5º anos do Preparatório, e eliminou inovações que pareciam válidas como a introdução, no programa do 7º ano unificado lançado em 1975/ 76, de uma área de Educação Cívica Politécnica.

 

Mas, teve ainda outro efeito: na sequência das unificações do 7º, do 8º, e do 9º anos de escolaridade, o Ministério, por inércia, e aparentemente sem ninguém o ter decidido, continuou a unificar o 10º, o 11º e o 12º anos.

 

Só então a Opinião Pública, alertada e justificadamente preocupada, começou a clamar contra a destruição do Ensino Técnico, que teria sido feita na sequência imediata do 25 de Abril. Penso que há antigos Ministros da Educação que nem sequer se deram conta de que parte do processo decorreu no período em que foram ministros.

 

17 de Novembro de 2010

 

  António Brotas

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