EU VENHO COMPRAR O VOSSO RECTÂNGULO
Eis o «progresso» feito à base da quinquilharia
A minha amiga aproveitou o facto de eu estar de costas, a distribuir os produtos recicláveis pelos respectivos contentores para me assarapantar com um aflautado “Tchong! Tching! Thaung!”, que me fez voltar-me num susto, julgando que estava a ser vítima já do dominador asiático cobrando a dívida. Era ela, de mãos cruzadas e trejeitos de deusa hindu, simultaneamente humilde e grácil, dizendo “bom dia” em chinês, segundo explicou, feliz com a descoberta linguística.
Foi mais tarde, já instaladas à mesa da bica, que ela largou o que lhe ia na alma:
- Eu, quando ouvi a história na televisão pensei logo: Então os portugueses não estavam avisados duma coisa tão importante? Chega ali o presidente muito rico e diz: “Eu venho comprar o vosso rectângulo” e isso cai como uma bomba, pois nos programas de discussão de ideias ninguém jamais se referira a isso, todos à volta da dívida calamitosa à Europa e respectivos juros brutais…
- E das medidas de “austeridade” impostas, que todos acham de bandalheira porque só pendem sobre os menos capazes, pois os mais esforçados, que até contribuíram para a dívida, batem o pé com as exigências da sua indignação despudorada… A escumalha atingida limita-se à grevezita mandatada pelos partidos das greves…
- Como é que se faz uma coisa destas, sem nós sabermos? Eles não disseram nada à gente! Por isso o coiso dizia: “Nós não precisamos da ajuda de ninguém”. Os outros políticos também não deviam saber. Estiveram a falar de tudo, menos disso…
- O coiso sabia do Dom Sebastião, é o que foi. Volta sempre, o Dom Sebastião, e nem precisa de nevoeiro. Quando tudo parece perdido, a gente arranja logo um dispositivo salvador, para maior perdição futura, é certo, a pender sobre as gerações vindouras. Bem dizia, pelos anos posteriores ao do 25 de Abril, o meu amigo Juiz Brites Ribas, quando lhe falava no perigo africano sobre a Europa, ele, dos arcanos do seu muito saber preocupado, ripostava que o perigo grande residia no asiático. Realmente, os chineses têm-se vindo a insinuar. Mas agora foi como uma bomba que se soltou.
- As contrapartidas, vamos sabendo aos poucos. Eles importarão os vinhos e os azeites do costume e instalarão lojas por aqui? Talvez invistam no TGV… O que eu fiquei sabendo é que há já por cá vinte mil chineses. Bons alunos, os da escola portuguesa… Muitos nascidos cá. É a melhor maneira do país não acabar… Indignei-me um pouco, com a expectativa.
- O meu último netinho, nascido na semana passada, também se chama Sebastião. É para ele que me viro, é nele que deposito a esperança de salvação futura, pequenino ser que não respeitamos hoje. Que Deus o guarde, numa pátria livre.
Berta Brás