EUROPA, SOLUÇÃO OU PROBLEMA?
Hoje ninguém fala de Europa. Apesar das eleições para o Parlamento Europeu, ninguém na Europa está a falar de Europa. Todos na Europa, e ainda mais em Portugal, pensam no que os resultados podem significar para a política local. A Europa é hoje a última preocupação dos europeus. Já ontem foi, pois o sinal dominante dos resultados eleitorais, que se sabia antes mesmo dos resultados, é que a grande vencedora, com maioria absoluta, foi a abstenção.
Apesar destes dois factos, desinteresse e vacuidade dos números, a Europa é um grande projecto e está a ser um grande sucesso. Infelizmente as instituições europeias têm sido parte do desinteresse e vacuidade, não do projecto e sucesso. A prova que a União Europeia é um estrondoso sucesso é clara: todos os vizinhos querem entrar e todos os longínquos querem copiar. Existem comunidades económicas em todo o mundo, todas inspiradas na UE. É verdade que nenhuma realiza uma integração a sério e a Europa permanece o único caso histórico de significativa partilha voluntária de soberania entre países independentes. Mesmo sem a reproduzirem, as cópias são uma prova de sucesso.
O sucesso é tanto mais significativo porquanto a ambição do projecto europeu é quase inconcebível. O espanto vem, não da dimensão física da União, menor que os impérios de Alexandre, Gengis Khan e Tamerlão, mas da forma livre como foi construída. Trata-se de um clube onde a adesão é voluntária e opcional. Só entra e permanece quem quer. E todos querem. Ninguém há 50 anos podia prever que tal ambição teria tal vastidão e solidez. Muitos referem os problemas da União, sem compreenderem que o simples facto de ela existir para ter esses problemas é, em si, um êxito espantoso.
Infelizmente o êxito é um veneno muito mais poderoso que os maiores problemas. A União hoje padece, não das dificuldades naturais, mas do sucesso inesperado, que a desviou do caminho. A grande intuição dos pais da Europa foi perceber que em povos tão diferentes, que tantas vezes ensanguentaram o continente e quase o levaram à destruição depois de 1939, existe apenas uma coisa em comum. O génio dos fundadores da CEE foi entender que a única maneira de unificar nacionalidades tão distintas e tão inimigas era através da economia. A Europa ou é económica ou não é. Aliás, durante décadas foi conhecida como "mercado comum" e ainda hoje o núcleo relevante chama-se "Zona Euro".
É verdade que a guerra constituiu a motivação e a política representou o condutor. Mas a economia foi o caminho seguido na integração europeia. Ainda hoje a razão porque os vizinhos querem aderir e os longínquos copiar, não é política, militar ou patriota. É económica.
Por muito que custe aos meritórios funcionários, os cidadãos não sonham com projectos geoestratégicos, não se comovem com palácios de congressos, não ligam a tratados e constituições. Ninguém se empolga com o hino ou a bandeira ou sente cidadania europeia. Isto não é um defeito a corrigir. É a realidade original e natural da Europa. O sucesso foi conseguido apesar disso.
A preocupação dos cidadãos é, como deve ser, a lista do supermercado, o emprego, a prosperidade familiar. Pode ser tacanhez ou falta de visão, mas afinal para que existem instituições e políticas senão para tratar disso? A Europa só pode ser voluntária se se ocupar do que interessa às pessoas, sem lhe tentar ensinar o que as deveria interessar.
Este axioma fundamental, que cada ano de integração confirma, é fácil de esquecer nos gabinetes. Aí vive-se o sonho, edifica-se o projecto, concebe-se o ideal. Isso obscurece a realidade. Por isso, apesar da abstenção esmagadora, do fiasco da Constituição e Tratado, os eurocratas insistem na superestrutura que ninguém entende. As acções dos dirigentes fizeram da Europa mais um problema, em vez de ser, como devia, uma solução para os problemas.
Hoje ninguém fala de Europa ou liga ao Parlamento. Todos tratam da sua vida. E os políticos não entendem que só isso interessa.
João César das Neves