Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

A bem da Nação

CATURRICES 05

LIGADOS À MÁQUINA - III

 

 

 Antes de prosseguir, um reparo técnico, para alívio da minha consciência: ainda que seja uma prática muito vulgarizada, faz pouco sentido medir a Dívida Externa (seja ela pública ou privada) em termos de PIB. Uma é a “fotografia” numa determinada data (uma visão estática, um stock); o outro é um acumulado ao longo de um ano (uma visão dinâmica, um fluxo).

 

 O que faria sentido, e seria da maior utilidade, era, sim, comparar o serviço da Dívida Externa (reembolsos, juros e encargos; fluxos, portanto) com o PIB e as projecções do PIB (outros fluxos). Infelizmente, não estão disponíveis dados sobre o serviço da Dívida Externa, nem no ano corrente, nem nos anos vindouros. Será porque ninguém sente a falta dessa informação? Ou é “top secret”, para não cair em mãos de hereges?

 

 Mas se não sentem, deveriam. É que, para ver a Dívida Pública ao exterior, e só esta, reduzida a metade ao fim de 10 anos, seria necessário que, superavits da BTC e Investimento Directo Estrangeiro, entre eles, gerassem, por ano, acréscimos de Reservas Cambiais (antes do serviço da Dívida Externa) da ordem dos 5%-6% do PIB [Nota: Nada de críticas, Leitor; trata-se de uma relação entre dois fluxos]. O que sugere para onde olhar e dá uma primeira ideia sobre a dimensão do problema que verdadeiramente nos atormenta.

 

 Continuemos então com o PIB como medida, à falta de melhor. A questão que ficou em aberto é a de saber como foi possível financiar deficits anuais da BTC tão elevados (desde 1997/1998, sempre acima dos 8% do PIB e várias vezes a ultrapassarem os 10%). Porque, não tenhamos ilusões, se esses deficits não fossem financiáveis, nunca teria sido possível um desequilíbrio externo de tamanha amplitude, durante tanto tempo.

 

 Os acréscimos líquidos da Dívida Pública ao exterior dariam para financiar o equivalente a 2%-3% do PIB, se tanto. Mas, e o restante? Como foi financiado o restante, estes anos todos?

 

 Através das Famílias não terá sido certamente, porque as Famílias residentes, como se sabe, não têm acesso directo aos mercados financeiros internacionais. E as Empresas, por cá - excepção feita a umas quantas, poucas (tratarei destas numa próxima Caturrice) - também não encontram lá fora Banco ou Instituição Financeira que lhes empreste.

 

 Sobram os nossos Bancos. Mas convém começar por esclarecer que o BdP, após a adesão à zona Euro, deixou de emitir dívida nos mercados financeiros internacionais. Ergo: os Bancos que têm estado a sustentar o desequilíbrio externo são, unicamente, os Bancos Comerciais (que designarei simplesmente por Bancos, daqui em diante).

 

 E ocorre perguntar:

(1) Como é que eles, por sua vez, se financiaram, donde lhes veio o dinheiro?

(2) Poderão continuar a financiar-se como até aqui?

(3) Haverá limites para o endividamento externo dos Bancos?

(4) Que efeitos teve o endividamento externo dos Bancos na economia portuguesa?

 

 Basearei as respostas no conjunto dos 7 maiores Grupos Bancários portugueses (BCP, BES, BPI, BST, CGD, BANIF, MG/CE), os quais representam mais de 85% do Activo Líquido (imobilizado, carteiras de crédito bancário e de títulos, etc., após amortizações e provisões) do nosso sistema bancário. Designá-los-ei por “Bancos” ou “amostra”. E, para que o texto não fique tão denso, representarei mil Milhões por mM.

 

 Começando pelo princípio. Nos últimos 10 anos, os Bancos procederam a entradas de capital, mas não suficientes para exibirem, hoje, níveis de capitalização (com base nos Capitais Próprios - ou seja: Capital Social mais Prémios de Emissão mais Reservas mais Resultados Transitados, mas excluindo o Resultado do Exercício em causa) confortáveis.

 

 [Nota: Não estranhe, Leitor, esta minha preocupação com definir o que sejam Capitais Próprios. Por razões que, de todo, me escapam, os Reguladores, por esse mundo fora, têm permitido que a Banca, em geral, considere como Capitais Próprios rubricas que as restantes Empresas são obrigadas a contabilizar no Passivo Remunerado. Num sector gravemente descapitalizado, por obra e graça também destas fantasias contabilísticas, os Bancos portugueses não são excepção.]

 

 Retomando o fio à meada...E emitiram dívida a médio/longo prazo nos mercados financeiros internacionais, além de contarem com os Depósitos dos seus Clientes. Só que:

(1) nem a “base de Depósitos” [Nota: A proporção dos Depósitos no Passivo Remunerado Total] aumentou visivelmente na generalidade dos Bancos;

(2) nem eles se preocuparam muito com isso, privilegiando, sim, a tomada de fundos por grosso, no mercado monetário interbancário internacional (MMIX; na realidade, junto de uma dúzia de Bancos, não mais).

 

 E chegamos, finalmente, ao fulcro da questão. Em 31/12/2009, os 7 maiores Grupos Bancários estavam endividados no MMIX em € 43.9 mM (26% do PIB - dos quais € 14.9 mM (9% do PIB) a Bancos Centrais (e não só ao Eurosistema).

 

 Esta dívida bruta, e só esta, representava, no fecho de 2009, 1.9x os Capitais Próprios na amostra (variando entre 1.1x e 4.7x), com um prazo médio ligeiramente inferior a 6 meses (variando entre os 3 meses e os 15 meses).

 

 A dívida líquida (isto é, dívida bruta, deduzidas as posições credoras no MMIX e as aplicações junto de Bancos Centrais) era de € 31.4 mM (19% do PIB; 1.4x os Capitais Próprios na amostra, variando entre 0.4x e 3.5x).

 

 Igualmente interessante é notar que, com vencimento a menos de 1 ano, junto do MMIX, as dívidas excediam as aplicações em € 14.7 mM (9% do PIB; 0.63x os Capitais Próprios, na amostra; € 1.9 mM a menos de 3 meses, mas com um Banco a atingir, neste prazo, um descoberto de € 5.5 mM) o que dá bem a medida do que seja a “ansiedade do roll over”: Será que os Bancos depositantes vão renovar os seus depósitos no vencimento? Será que conseguiremos reaver todas as nossas aplicações no MMIX?

 

 Decorridos 6 meses, em 31/06/2010, a situação tinha mais ou menos este aspecto:

- Endividamento bruto junto do MMIX: € 68.1 mM (40% do PIB; 3.0x os Capitais Próprios na amostra, variando entre 1.6x e 6.4x), dos quais € 40.9 mM (24% do PIB) junto de Bancos Centrais;

- Prazo médio da dívida bruta junto do MMIX: nos 3 Bancos que publicaram a distribuição temporal do seu endividamento junto do MMIX, o prazo médio encolheu entre 1 e 5 meses (é incompreensível como os Bancos são autorizados a omitir, nas suas Demonstrações Financeiras semestrais, informação de tal importância);

- Dívida líquida (conforme ficou definido mais acima): € 56.9 mM (33% do PIB; 2.5x os Capitais Próprios na mostra, variando entre 1.5x e 5.8x);

- Roll over a 1 ano (estimativa, uma vez que 4 dos Bancos não divulgaram dados): cerca de € 40.0 mM (23% do PIB; 1.8x os Capitais Próprios na amostra);

- Roll over a 3 meses (idem): cerca de € 30.0 mM (18% do PIB; 1.3x os Capitais Próprios na amostra)

 

 Pergunto se, em vista disto, ainda fará sentido arrepelar os cabelos por causa do estado da Dívida Pública e do deficit orçamental.

 

 É que alguns Bancos ultrapassaram já (e não foi hoje nem ontem) o limiar de endividamento no MMIX que desencadeou a crise asiática de 1997 – e o nosso sistema bancário, como um todo, há uma década que ronda perigosamente esse limiar.

 

(cont.)

 

Setembro de 2010

 

A.PALHINHA MACHADO

2 comentários

Comentar post

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2011
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2010
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2009
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2008
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2007
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2006
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2005
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D
  261. 2004
  262. J
  263. F
  264. M
  265. A
  266. M
  267. J
  268. J
  269. A
  270. S
  271. O
  272. N
  273. D