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A bem da Nação

"SERMÃO" DE DOMINGO

 

 

O rabecão

 

 

Mais uma vez o Esopo

Tem toda a razão,

Ao mostrar

Como é velha a sentença

Do povo sabichão,

“Quem te manda a ti, sapateiro,

Tocar rabecão?”…

 

Embora a flauta

Do lobo da sua fábula

Tenha uma elegância

E uma vibração

Que não tem a rabeca

Do nosso remendão…

O que não é admiração!

 

«O cabrito e o lobo que tocava flauta»

 

«Um cabrito que se afastara do rebanho,

Por um lobo delambido

Foi perseguido.

Olhou para ele e disse, com ar meigo

E casto:

- Ó lobo!

Eu não tenho nenhuma dúvida

De que te vou servir de repasto!

Mas uma morte ignominiosa é tristeza.

Toca flauta para que eu possa dançar

Antes de, em beleza,

Acabar.

Enquanto o lobo a flauta tocava

E o cabrito dançava,

Pelo ruído alertados,

Os cães, enfurecidos,

Acorreram mesmo na hora

E puseram o lobo a andar

Dali para fora.

Ao voltar a cabeça,

O lobo delambido,

Cheio de pesar,

Disse ao cabrito arguto

E muito atrevido:

Pelo meu destino

Sou bem responsável

Por não ser fino

Ou arteiro.

Não passo dum carniceiro

E quis armar em flautista

Admirável!

O castigo mereço,

Imperdoável

E sem desconto,

Pois me portei como um tonto

Ou um menino sem tino,

Diria até, masoquista!

Assim acontece,

Frequentemente,

Àqueles que,

Sem ter em conta

As circunstâncias,

Da vida presente,

Se vêem privados

Sem tom nem som

Mesmo daquilo

Que têm na mão.»

 

E aqui está mais uma

De aplicação

Aos nossos tempos

De muita bruma

Na nação,

Na indigestão

De muitos

E na fome do pobre,

Embora o pobre agora

Seja mais ajudado

Do que o desempregado,

Por devermos mostrar

Na habitual bondade

– Digo, hipocrisia -

Que a democracia

Está em primeiro lugar.

 

De cabeça perdida

E sem comedimento,

O nosso Primeiro

Já faz queixas lá fora

Às grandes potências

Do que aqui se passa.

Que atrevimento

E que falta de classe!

Como se importasse

Aos outros povos

Aquilo que somos

E o que fazemos!

Somos sapateiros,

Remendões, embora,

Que nos vamos amanhando,

E atamancando,

Com muita penúria

Mas não de tolice,

Lançando sempre mão

De qualquer rabecão.

 

Berta Brás

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