GREVES, MANIFS OU VOTOS?
A grande maioria dos portugueses, que já eram do grupo dos de menor poder de compra entre os países da União Europeia, tem visto esse baixo poder de compra baixar ainda mais desde o ano 2000, tendo essa redução sofrido uma grande aceleração desde 2005, com o governo que ainda está no poder [texto escrito em 2008]. Não deve ter sido inferior a 20% a perda de poder de compra nestes três anos e meio, a maior de sempre sofrida pela grande maioria dos portugueses. Apenas a minoria dos mais ricos viu os seus proventos aumentarem.
Como resultado, as famílias, que se endividaram para um determinado nível de vida, ao sofrerem essa brutal perda do poder de compra, viram-se a braços com encargos que, se eram suportáveis com o nível anterior, deixaram, em muitos casos, de o ser, logo que os seus proventos desceram e os custos aumentaram. Aumentos de impostos (tão veementemente negados durante a campanha eleitoral!) e taxas várias; congelamentos de ordenados (ou aumentos inferiores à inflação), escalões e promoções; aumento do desemprego; reduções nos proventos, como nas pensões dos funcionários públicos, que passaram a descontar para a ADSE (com total desprezo pelos anteriormente sagrados "direitos adquiridos"); extinção de muitos serviços públicos, obrigando a custosas deslocações ou a pagar a privados (que em muitos casos logo abriram a sua "loja" nos locais dos serviços extintos); a destruição de importantes actividades de natureza económica, como a agricultura (com bons proventos para os importadores de produtos agrícolas que aqui devíamos produzir, de melhor qualidade e mais baratos), foram ocorrências constantes nestes três anos e meio. E tudo isto como resultado de acções dum governo que tem o descaramento de se dizer "socialista" e "de esquerda" e que não é uma coisa nem outra. Umas migalhinhas dadas a uns velhinhos não chegam para contrabalançar as várias acções de direita e de extrema-direita que, se fossem feitas por quaisquer outros governos, levantariam imensos clamores em que o nome mais suave seria de "fascistas!"
A redução do défice, em vez de ser feita à custa de cobrar impostos aos que levam muito para casa e tão pouco pagam para a comunidade (1), e do desenvolvimento da economia nacional (2), com um crescimento do PIB inferior à média europeia, foi feita à custa dessa maioria que tem poucos proventos (3), daí resultando numerosas penhoras (aos pequenos, evidentemente) e incapacidade de satisfazer os empréstimos para a compra da casa, com os bancos a verem-se a braços com inúmeros imóveis.
Por toda a parte se ouvem queixas, mas baixinho, quase em surdina.
Quanto a protestos, são poucos e fracos. Com excepção de dois, que reuniram muita gente, mas cujos ecos em breve desapareceram, foram perfeitamente inócuos. Também houve algumas greves, de escasso ou nenhum efeito. Quando as greves são em organismos do Estado, o governo é quem ganha. Reduz a despesa pública porque não paga ordenados aos grevistas e está-se completamente nas tintas - perdoe-se-me a expressão - para o funcionamento dos Serviços, pois quanto mais os reduzir mais negócio dá aos privados seus amigos. (Acções de direita, obviamente).
Só vejo duas formas de corrigir uma tão má situação, em que cada vez mais nos atrasamos em relação à Europa. Uma é fazendo uma revolução, tão justificada como a de 28 de Maio e a de 25 de Abril, perante a situação do país. Para isso são necessárias espingardas e há sempre o risco de fazer sangue. Não é recomendável. A outra, dentro do sistema vigente, é votar num partido que mereça confiança, por ter dirigentes competentes, que sejam capazes de desenvolver o país, não faltando às promessas, aumentando muito a produção (o que é possível) e dando uma distribuição mais equilibrada dos proventos e encargos (o que também não é impossível).
Aos que me dizem que são todos o mesmo – na realidade, há uns piores que outros - eu recomendo que, então, façam um Partido novo mas indo convidar as pessoas competentes e honestas - que ainda há em Portugal - capazes de fazerem muito melhor do que o que temos tido há várias décadas. Se me dizem que Portugal não tem pessoas capazes de fazer bem a tarefa que se exige e apenas há sujeitos bem falantes para continuar a afundar o país; ou se me dizem que essas pessoas existem mas a massa dos cidadãos "não está para a maçada de as convidar e apoiar", então têm de se resignar a ser um povo atrasado e explorado por esses bem falantes. É pena!
Miguel Mota
Publicado no "Linhas de Elvas" de 4 de Setembro de 2008
(1) Mota, M – Considerações sobre o défice orçamental e a forma de o anular. Jornal dos Reformados nº 318, Outubro/Novembro 2002
(2) Mota, M – O PIB de Portugal pode crescer a 5% ao ano. Jornal de Oeiras de 6-7-2004
(3) Mota, M – Quem pagou a redução do défice. Linhas de Elvas de 17-4-2008