Carta ao Sr. Dr. Juíz
Sr.Dr.Juiz!Nasci há muitos anos. No tempo,imagine V.Ex.ª, em que algumas pessoas se suicidavam porque não podiam pagar a Letra no prazo!
Nesse tempo, para mim, V.Ex.ª ocupava um dos lugares mais altos na hierarquia social; logo abaixo do meu Pai e um pouco acima do Médico!
V.Ex.ª decidia sobre os pecados dos Homens (com a Justiça dos Homens,claro, porque com a Justiça de Deus, preocupava-se o seu Colega Padre, por isso mesmo também pessoa muito considerada)
V.Ex.ª ouvia, valorizava o que ouvia e, com o conhecimento que tinha dos Homens, das suas grandezas e misérias,decidia. E decidia de uma forma realmente independente; não porque a Lei o determinava mas porque o Povo assim o sentia e apreciava. Nunca ouvi pôr em causa o Estatuto Social de V.Ex.ª nem dos benefícios que muito justamente tal Estatuto implicava. Vivia-se então numa República Corporativa.
Os tempos mudaram; as mudanças trouxeram coisas boas e coisas más e há pouco tempo, o Povo, foi mais uma vez chamado a decidir quem deveria governar o País. E decidiu de uma forma clara e inequívoca por um determinado partido, por um determinado programa, portanto, por um determinado Governo (note V.Ex.ª que eu votei mais à direita).
Decidiu esse Governo (eleito pelo Povo) implementar algumas medidas que, sendo controversas, como todas as medidas que mexem no "statu quo" vão contra, entre outras, alguns benefícios (não todos) que V.Ex.ª usufrui. Não sei se bem, se mal, porque infelizmente a nossa Comunicação Social, comunica muita coisa mas informa quase nada.
Eis senão quando, um dia destes, deparo com um representante de V.Ex.ª e dos seus Pares (enfim,da sua Corporação), protestando contra tais medidas o que poderia ser aceitável mas ameaçando em termos muito violentos com greve às "horas extraordinárias" e com uma "greve de zelo". Aí ruiu todo o meu esquema social. Tive então consciência de quanto injusto era colocar V.Ex.ª logo abaixo do meu Pai, ao lado do Padre e pouco acima do Médico e do Professor. V.Ex.ª é, afinal, um simples assalariado cujo trabalho é medido pelo cartão de ponto que deverá passar a picar e que talvez possa mais tarde ou mais cedo vir a ser substituído, com vantagem (por mais independente, mais rápido e mais barato) por um Computador!
Vou passar a olhar para vocês com outros olhos!
João Franco