A HISTÓRIA DO FUTURO
A adivinhação do Futuro continua tentar os politólogos Nostradamus chamava-lhe profecias. Mais perto de nós, Herman Khan pretendeu atribuir-lhe cunho científico e chamou-lhe previsões. No seu Hudson Institute, amplamente dotado por governo e instituições privadas americanos, dispunha de centenas de pesquisadores e analistas que o ajudaram a projectar faróis potentíssimos sobre o que então estava para vir. Em 1970, lançou o seu famoso livro Ano 2000, best-seller instantâneo, imediatamente traduzido em várias línguas, incluindo o português. No livro cartografava os acontecimentos de maior transcendência que iriam ocorrer na esfera mundial até final do século XX. Apenas um contra: - a crise do petróleo, que eclodiu 3 anos depois e abalou irreversivelmente os sistemas económico e político mundiais, não estava prevista. Fiasco rotundo. Khan morreria pouco depois sem ter conseguido reabilitar-se.
Em 1989, Francis Fukuyama – então festejado guru da ciência política americana - eufórico com a queda do Muro de Berlim, permitiu-se exibir os seus dons de pitonisa noutro best-seller instantâneo - O Fim da História e o Novo Homem. O politólogo entendia que a questão do futuro estava arrumada. Com o triunfo final do demo-liberalismo, a História acabara. A democracia liberal, vencedora por toda a parte, convertera-se em valor universal e não havia mais discussão. Este era o desejo dos homens em todos os quadrantes, de todas as raças e de quaisquer credos. O futuro iria ser, para todo o sempre, igual ao presente. Os conflitos sairiam de cena; o sonho pós modernista tornara-se realidade. O O9/11 viria porém desmentir dramaticamente este doce e ledo engano. Em vez do tédio, a humanidade aprendeu que teria que se preparar para viver grandes tragédias. Fukuyama passou rapidamente ao rol dos esquecidos.
Samuel Huntington (também americano), no seu brilhante clássico, The Third Wave. (1991) foi mais prudente. Limitou-se a dessacralizar o futuro. Este já não pertencia a Deus; pertencia sim aos políticos avisados e poderosos e seria o produto dos seus esforços coordenados. Os acontecimentos no Médio Oriente, sobretudo os subsequentes à vitória eleitoral do Hamas na Palestina, em 2006, vieram porém mostrar que os políticos poderosos não eram avisados. Não distinguiam a paz da guerra; não queriam convencer, queriam apenas vencer. Por outro lado, os povos resistiam á mudança de hábitos. O futuro identificado por Huntington seria pois um cilindro compressor sujo de sangue. O conflito seria permanente, conclusão inaceitável para o pós-modernistas. Posto isto, Huntington conheceu destino semelhante ao de Fukuyama e a democracia passou de representativa a monitorizada (fiscalizada). Em matéria de poder, a media ultrapassou os políticos.
Tais desaires não desencorajaram contudo o erudito politólogo da Universidade de Westminster, John Keane (anglo-australiano, para variar). No seu recente livro Life and Death of Democracy (Simon & Suchester, Pocket Book, Londres, 2010), dedica 140 páginas a um exercício de futurologia a que chama "Memórias do Futuro". Keane tem o mérito de nos explicar a razão da obsessão dos politólogos com o futuro. Diz ele que o presente só poderá ser compreendido se conhecermos simultaneamente o passado e o futuro, uma vez que o momento que vivemos outra coisa não é senão o ponto crítico da transição de um para o outro. A politologia política só se tornará ciência respeitável no dia em que permitir desvendar com segurança o que vem aí. (Próximos cinquenta anos, no mínimo). Na ausência de técnica apurada, o politólogo deve valer-se da imaginação pois que o exercício de imaginar o futuro ajuda-nos a compreender o presente.
Recorrendo a tal metodologia, Keane constatou várias coisas, entre as quais - para nosso escândalo -, que a democracia representativa monitorizada estava em processo adiantado de desintegração final. Em oposição total à previsão de Fukuyama, Keane entende que a democracia liberal não só não é o futuro como, pior, nem sequer tem futuro. Os políticos, a media, a Internet e as instituições multinacionais acabaram com ela. Por efeito conjugado da acção de tais agentes instalaram-se entre nós a desresponsabilização sistemática, a desautorização costumeira, a desconfiança permanente, o fatalismo vicioso e a confusão universal, culturas que inviabilizam o modelo democrático prevalecente.
Verdade seja que, ao longo do tempo, o modelo democrático, se bem que tenha conseguido impedir a concentração de poder e o seu uso para finalidades pessoais, mostrou-se contudo incapaz da pôr termo aos dois flagelos que mais inquietam a humanidade, ou seja, a desigualdade e a insegurança. Perante tais constatações, o autor académico recomenda que se recorra à criatividade para conceber um novo modelo de democracia.
Aí está uma boa ocupação para férias. Bom descanso a todos, é o meu voto.
Estoril, 12 de Agosto de 2010
Luís Soares de Oliveira